sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A RELEVÂNCIA DOS MATERIAIS DIDÁTICOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM - TÓPICO 2



Blog “Educação, Didática, Pedagogia e Andragogia”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://educacaodidaticapedagogiaeandragogia.blogspot.com.br/




LIVROS EM SALA DE  AULA – MODO DE USAR

Este  texto  historia brevemente à escrita e o  livro na escola,  distinguindo as  principais categorias de livro   escolar,   a   partir   de   Choppin   (1992).   Com  isso,   situa   e   delineia   brevemente   o   perfil   do   livro didático   hoje   no   Brasil   em  suas   relações   com   os   outros   impressos   e   veículos   de   textos   que   estão presentes na  escola contemporânea.  A  partir daí,   discute-se o  livro  didático como suporte  de  textos ou   como   discurso   de   autor   em   gênero   didático,   abordando   três   modos   de   usar   o   livro   muito freqüentes em sala de aula: o  livro como arquivo de  textos e propostas; o  livro “de  fio a pavio” e a escolha consciente e criteriosa seja do  livro, seja de partes e  textos de  livros e de outros impressos, para   compor,   de  maneira   harmônica,   um   projeto  de   ensino   situado.   Sugerem-se   dois   conjuntos   de critérios  de   escolha   e   seleção   para   uso   de   textos   impressos:   o   das   necessidades   de   ensino   e   o   das possibilidades   de   aprendizagem.   Conclui-se   lembrando   uma   meta   central   para   a   formação   cidadã hoje,   para   a   qual   concorrem  as   adequadas   seleção   e   abordagem  de   textos  e   impressos,   que   é   a  da capacidade   de   discriminar   e   avaliar   discursos   hegemônicos   na   globalização,   de   maneira   a   fazer escolhas éticas entre discursos.

ESCRITA, LIVRO E ESCOLA – UMA RELAÇÃO MUITO ANTIGA

Mesmo antes da revolução de Gutenberg – a invenção da escrita impressa – a escrita sempre foi um dos principais instrumentos de comunicação da escola.  A escola sempre foi um espaço de circulação das “letras”, um espaço letrado. Com  a  reprodutibilidade  alcançada   pela  impressão  de   livro  e   de  outros   suportes,   a  escola  também passa a ser um dos principais espaços de circulação do livro. O livro escolar, entretanto, ao longo da História, passou por diversas mudanças.
O pesquisador  Alain Choppin (1992), dedicado ao estudo do livro escolar, distingue quatro grandes tipos de livros escolares, organizados de acordo com sua função no processo de ensino-aprendizado:

- Os  manuais  ou  livros  didáticos,   quer   dizer,   “utilitários  da  sala  de  aula”  (p.   16),  obras  produzidas com  o  objetivo  de  auxiliar   no  ensino  de  uma  determinada  disciplina,   por  meio  da  apresentação  de um   conjunto   extenso   de   conteúdos   do   currículo,   de   acordo   com   uma   progressão,   sob   a   forma   de unidades   ou  lições,   e  por  meio  de  uma  organização  que  favorece  tanto  usos  coletivos  (em  sala  de aula), quanto individuais (em casa ou em sala de aula);

-   Os   livros   paradidáticos   ou   para-escolares,   obras   complementares   “que   têm  por   função   resumir, intensificar   ou   aprofundar”   (p.   17)   conteúdos   específicos  do   currículo   de   uma   disciplina,   seja   por meio   de   uma   utilização   individual   em   casa,   seja   por   meio   de   uma   utilização   orientada   pelo professor,   na   escola,   como   ocorre   no   Brasil2.   Na   tradição   brasileira,   esse   tipo   de   livro   escolar abarca,   prioritariamente,   obras   que   aprofundam   ou   enriquecem   um   conteúdo   específico   de   uma disciplina   (o   tema   da   escravidão   ou   da   vida   cotidiana   no   Brasil   Colônia,   por   exemplo)   ou   que   se voltam  para  a formação do  leitor  (como os  títulos  de  literatura  infantil,   em geral,  apresentados  nos catálogos de editoras como obras “paradidáticas”);

-   Os   livros   de   referência,   como   dicionários,  Atlas   e   gramáticas,   destinados   a   servir   de   apoio   aos aprendizados, ao longo da escolarização;

-  As  edições  escolares  de  clássicos,   que  reúnem,   de  modo  integral   ou  sob  a  forma  de  excertos,   “as edições   de   obras   clássicas   (gregas,   latinas,   estrangeiras   ou   em   língua   materna),   abundantemente anotadas ou comentadas para o uso em sala de aula”(p. 16).

Nos  meus  tempos de  estudante  na Educação Básica,  os  impressos  que  havia  em sala  de aula    não tão   abundantes   como   hoje   em  dia      eram,   principalmente,   as   obras   de   referência   (mapas,  Atlas, dicionários e gramáticas – latinos, portugueses, franceses) e uma edição escolar de autores clássicos da   literatura   brasileira   e   portuguesa      uma   coletânea   ou   antologia.   Na   verdade,   comprávamos   as antologias,   dicionários,   e   mesmo,   quando   possível,   enciclopédias   e   gramáticas.   Atlas   e   mapas ficavam   trancados   em   grandes   gaveteiros   das   estantes   da   biblioteca   da   escola   e   o   professor   os requeria  quando  necessários  para   sua  aula.  A  biblioteca  escolar   era   grande  e  bem  fornida  de  obras clássicas e de divulgação, entretanto o acesso do aluno a ela não era livre, nem tampouco freqüente.

OS LIVROS ESTAVAM NAS CASAS DOS ALUNOS

Por   esta   época,   os   livros   ou   manuais   didáticos,   tais   como   os   conhecemos   hoje,   e   os   livros paradidáticos   sequer   existiam.   É   somente   com   a   reforma   da   grade   curricular   e   da   educação   da década   de   70   do   século   passado   que   o   perfil   e   a   circulação   do   livro   escolar   começa   a   mudar.
Segundo   Clare   (2002,   s/p),  a   situação  começa  a   se  transformar   ainda   na   década  de   60,   quando  se firma o processo de democratização de acesso da população à escola, em conseqüência de um novo modelo  econômico. Trata-se  de  novas  condições  sociopolíticas.   Com  a  ditadura  militar,   a  partir   de 1964,   passa-se   a   buscar   o   desenvolvimento   do   capitalismo,   mediante   expansão   industrial.   A proposta educacional, agora, passa a ser condizente com a expectativa de se atribuir à escola o papel de fornecer recursos humanos que permitam ao Governo realizar a pretendida expansão industrial.
Com a  ampliação do  acesso da  população  à  escola  pública,  muda  o perfil não somente  econômico, mas   também   cultural,   tanto   do   alunado   como   do   professorado.   Não   é   mais   uma   escola   pública destinada apenas  aos  filhos das  elites,  mas as camadas  populares  passam  a  ter  assento  nas  salas de aula.   O  novo   perfil   cultural   do   alunado   acarreta   heterogeneidade   nos   letramentos,   nos   falares   dos alunos.   Os   esforços   das   escolas   em   adequarem-se   à   nova   realidade   têm   impactos   visíveis   na qualidade   do   ensino   e   no   perfil   do   livro   escolar.   Também   o   perfil   sociocultural,   econômico   e profissional   dos   docentes   sofre   alteração,   com   a   ampliação   das   redes.   A  profissão   de   professor começa   a   desprestigiar-se,   a   perder   autonomia,   a   deslocar-se   nos   espaços   sociais:   antes,   uma  profissão  que  conferia  status  às  moças  de  classe  média  e  alta;   agora,   a  ascensão  social   para   os  que pertencem à classe mais pobre da sociedade (Clare, 2002, s/p).
É   por   esta   época   que   começa   a   surgir   o   livro   didático   e,   depois,   os   paradidáticos,   tais   quais   os conhecemos hoje. De certa maneira, esses manuais didáticos trazem para si uma soma do que antes era  a aula  do  professor e  a  consulta  do  aluno a  obras  de  referência e  a  antologias.  Na  disciplina de Língua   Portuguesa,   esse   fenômeno   é   bastante   visível      as   instruções   do   livro   se   combinam   (ou entram  em  conflito)  com  as  do  professor  na  aula  e  os  antigos  dicionário,  a  gramática  e  a  antologia encontram-se hoje espalhados pelas páginas dos volumes do livro didático.
Com   a   mudança   de   perfil   do   alunado,   sobretudo   no   que   diz   respeito   ao   perfil   socioeconômico,   o livro   deixa   de   estar   na   casa   do   aluno   e   passa   a   se   sediar   na   escola.   Por   outro   lado,   os   Programas nacionais   de   distribuição   do   livro   incrementam   seu   alcance,   de   maneira   a   poder   prover , progressivamente,   um   número   cada   vez   maior   de   escolas   e   de   estudantes   com   os   acervos necessários.
Hoje, podemos  dizer , ao contrário, que os  tipos de  livro escolar mais presentes em sala de aula são os manuais didáticos e os livros paradidáticos, além de, mais recentemente, por meio da distribuição do PNLD, os dicionários. Atualmente,   esses   livros   não   são   os   únicos   impressos   que   circulam   nas   escolas.   Revistas   (de divulgação   científica   e   outras)   e   grandes   empresas   jornalísticas   colocam  à   disposição   das   escolas doações   de   assinaturas   permanentes   de   periódicos   jornalísticos   (revistas,   jornais   de   grande circulação).
Finalmente,   a   revolução   eletrônica      com   a   multiplicação   dos   meios   de   comunicação   de   massa, como   a   televisão   e   o   vídeo      e   a   revolução   digital,   trazendo   a   crescente   importância   dos computadores e da Rede Internet para a circulação e distribuição da informação, também ampliaram os veículos de circulação da escrita para muito além dos limites dos livros.
Hoje,   as   escolas   mais   equipadas   contam   com   TV ,   vídeo   e   computadores      em   algumas   delas, conectados      que   permitem   novos   acessos   à   informação   escrita   ou   oralizada,   a   partir   de   novos veículos. Todas essas mudanças acarretam impactos importantes para a escolha e uso de materiais didáticos e paradidáticos e veículos de informação na escola contemporânea.

LIVROS DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS – UM BREVÍSSIMO PERFIL

Como  vimos em  outros Programas desta série, a capacidade governamental de avaliação, compra e distribuição   do   livro   escolar   no   Brasil   de   hoje   ampliou-se   muito.   Além   de   avaliar   e   comprar   e, ainda,   distribuir  livros  didáticos das  principais  disciplinas acadêmicas  (infelizmente,  exceto Língua Estrangeira) ao conjunto dos alunos da rede pública de Ensino Fundamental brasileira, por meio do PNLD – o que, por si só, já atinge números astronômicos6, dada a proporção continental do país e a universalização   recente   das   matrículas   –,   atualmente   o   Governo   Federal   ainda   investe,   no   mesmo PNLD,   na  compra  e  distribuição  de  dicionários;   por  meio  do  PNBE,   na  renovação  e  ampliação  de acervos das  bibliotecas escolares e,  ainda,  inicia a extensão do  direito ao livro escolar,  por meio do PNLEM,  ao Ensino Médio,  por enquanto nas  disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. 
Uma das iniciativas importantes nesses Programas governamentais foi a instituição da avaliação dos livros que serão comprados,  em  todas as áreas do conhecimento.  As pesquisas das décadas de 70 e 80 do século passado, a respeito do  livro escolar,  constantemente denunciavam a baixa qualidade e a   condução   ideológica   destes   materiais.   Instituída   a   avaliação,   a   qualidade   desses   materiais melhorou   enormemente   e   o   cuidado   com   os   projetos   gráfico-editoriais   intensificou-se,   tendo impacto no tratamento dos textos e das imagens veiculadas nos livros.
São   muitos  os  manuais   didáticos,   dicionários,   obras   de  referência   e  livros   paradidáticos  propostos hoje para a escolha dos professores e todos eles apresentam níveis de qualidade necessários ao bom desenvolvimento dos projetos de ensino-aprendizagem em que o professor está envolvido. Mas isso coloca uma questão relevante para os professores:
Como   escolher   e   utilizar   em   sala   de   aula   livros   e   impressos   que   não   entrem   em   conflito   ou contradigam   os   projetos   de   ensino-aprendizagem   dos   professores?   Que   sejam   adequados   às necessidades e possibilidades do aluno (a) e da comunidade escolar?

LIVROS E OUTROS IMPRESSOS EM SALA DE AULA – TRÊS MODOS DE USAR

Discute-se   hoje,   na   análise   do   livro   didático,   se   este   é   um   suporte   de   textos   ou   um   gênero   de discurso.      explico:   a   visão   do   livro   didático   como   um   suporte   ou   veículo   de   textos   variados (Marcuschi, 2004; Soares, 1999), encara o LD como um livro (suporte) – uma brochura de papel em certo   formato,   com   certo   tipo   de   cobertura,   com   resmas   costuradas   e   coladas   na   lombada      que reúne   em  si   certa   distribuição   de   textos   e   imagens   de   diversos   tipos      textos   expositivos   e instruções   do   autor   do   livro;   outros   documentos   (históricos,   por   exemplo);   imagens,   como reproduções   de   fotografias,   de   pinturas,   mapas,   gráficos,   infográficos;   textos  de   campos   variados, como o literário, o publicitário, o jornalístico, o da divulgação científica etc. Quase algo como uma coletânea variada ou um arquivo.
Quem     o  livro  como   um  gênero   discursivo  (Bunzen,  2005;   Bunzen   &  Rojo,   no  prelo)  admite   a presença deste conjunto de  textos “migrados” 7de outros campos da vida social, mas encara o livro como um discurso do autor, a partir de um projeto didático autoral, dirigido a certos professores e a certo   alunado,   a   certo   tipo   de   projeto   de   ensino-aprendizagem  e   não   a   outro,   e   que   implica   uma posição   do   autor   sobre   o   que   ensinar   como   ensinar,   a   quem  ensinar,   para   que   e   quando   etc.   Este projeto   autoral   é,   inclusive,   responsável   pela   seleção   deste   ou   daquele   “conjunto   de   textos migrados” de outros campos da vida social.
Esta  questão,  embora  pareça   coisa   apenas   de  pesquisadores,   tem  impacto  na  escolha  e,   sobretudo, no uso do  livro em sala de aula.  Se eu encaro o  livro como um acervo de  textos,  ou um arquivo de textos,   como   faz   crer   a   definição   do   livro   como   suporte,   posso   retirar   deste   e   de   outro   arquivo qualquer,   como   quiser   e   de   acordo   apenas   com   meu   projeto   de   ensino      se   houver      os
textos/imagens necessários para dar suporte a meu projeto de ensino naquele momento.
Não preciso me preocupar com a compatibilidade destes arquivos com meu projeto de ensino. Preciso apenas ter condições   logísticas   de   reprodução   destes   textos/imagens      retroprojetor,   xerox      ou   que   o   aluno tenha  o  livro  em  mãos,   para   poder   dar   minhas  aulas.   O  uso  do  livro  escolar   por  parte  do  professor como arquivo é o que acontece com freqüência nas escolas, quando os alunos não dispõem cada um do  livro para uso próprio, como foi o caso do Ensino Médio até agora. Uma das decorrências deste tipo   de   uso   do   livro   é   o   alto   índice   de   cópia   de   questões   ou   instruções   da   lousa   nessas   aulas, tomando parte preciosa do escasso tempo escolar.
Nada   em   contrário   à   autonomia   e   à   supremacia   do   projeto   de   ensino   situado   no   contexto   e   na comunidade escolar de cada professor.  Ao contrário. Muitas  vezes  o  que  se    é  uma  prática  didática  cristalizada  na  tradição  e  na  vivência  de  um  dado professor,   descontextualizada   da   realidade   da   comunidade   escolar ,   que,   ao   tratar   o   livro   como arquivo, ignora também o projeto didático autoral. Como bem definia  Choppin  (1992,  p.  16), no  início deste  texto, os manuais ou  livros  didáticos são “utilitários da sala de aula”, ou seja, obras produzidas com o  objetivo de auxiliar no ensino de uma determinada   disciplina,   que   favorecem  tanto   usos   coletivos   (em  sala   de   aula),   quanto   individuais (em casa ou em sala de aula).
Este é um segundo problema: se o professor trata o livro didático como um arquivo, retirando textos e partes que lhe interessam de obras variadas e ignorando o projeto autoral, mas solicita dos alunos que estudem, em sala de aula, em casa, para aulas ou provas, usando o livro adotado, podem ocorrer projetos   de   ensino   em   conflito   (por   exemplo,   diferentes   visões   de   como   se   fazer   História),   que induzirão o aluno a erro, do ponto de vista da proposta escolhida pelo professor.
Tratar   o  livro  didático  como  um   discurso  do  autor  (num   gênero   didático)  é,   ao  contrário,  tanto  na escolha  do  livro como no  uso,  levar em conta  o  projeto  do autor,  no  que  diz  respeito à  seleção dos conteúdos,   assim  como  no  que  tange  à  metodologia  de  ensino  adotada.   Em  seguida,   comparar   seu próprio   projeto   de   ensino   situado   com   o   projeto   do   autor,   para   ver   se   são   compatíveis.   E   aí,   são  necessários   critérios,   tanto   para   adotar   um   livro   para   os   próximos anos naquela comunidade escolar como para selecionar textos e atividades no livro e em outros impressos e veículos variados (paradidáticos,   obras  de  referência,   coletâneas,   jornais,   revistas,   vídeos,   Internet   etc.).   Quais  seriam esses critérios?
Gostaria   de   propor   aos   professores   duas   ordens   de   critérios:   as   necessidades   de   ensino   e   as possibilidades de aprendizagem. Na ordem das necessidades de ensino, encontra-se, principalmente, o   projeto   de   ensino   situado   do   professor   (ou,   preferencialmente,   do   grupo   de   professores)   para aquela   comunidade   escolar:   Para   este   alunado,   o   que   se   deve   ensinar ,   para   atingir   metas determinadas?  Para   esta  comunidade  escolar     que  incorpora,   por  exemplo,  alunado  de  favelas  em São  Paulo  ou  Rio  de  Janeiro   ou  que  está  situada  em  zona  rural   do  Centro-Oeste  –,  quais  metas  de ensino   foram  eleitas?   E,   a   partir   delas,   quais   conteúdos   são   importantes   para   atingir   essas   metas? Que   tipos   e   níveis   de   letramento   são   necessários   para   que   esta   comunidade   alcance   para   a   vida cidadã nesta comunidade? Que textos devem, então, ser selecionados e trazidos para os alunos? Esta obra contempla esses conteúdos e textos? Como complementá-la, a partir de outros impressos?
Na   ótica   das   possibilidades   de   aprendizagem   do   alunado,   algumas   questões      mencionadas   são também   importantes:   Que   conhecimentos,   valores,   atitudes   e   tipos   e   níveis   de   letramento   estes alunos      trazem?   Quais   são   importantes   no   projeto   de   ensino   do   professor?   O   que   será   preciso ensinar   e   aprender   nesta   coletividade?   Como   se   organizam  o   tempo   e   o   espaço   escolar   de   que   se dispõe (número e tempo de aulas, número e tipo de alunos por sala, disposição da sala, existência de biblioteca,   laboratório,   salas   ambientes   etc.)?   Com   que   recursos   tecnológicos   é   possível   contar (retroprojetor, xerox, vídeo, computador, Internet etc.)? É possível contar com professores de outras disciplinas para atingir estas metas? Que obra/trechos de obras interessantes podem ser selecionadas para atingir estas metas, em face destas restrições? Como é possível complementar esta obra a partir de outros impressos e recursos?
Para   finalizar ,   provisoriamente,   esta   discussão,   quero   lembrar   de   uma   meta   geral   na   formação cidadã do alunado no Brasil de hoje – que envolve, de maneira crucial, os textos, impressos e livros que circulam em sala de aula e, correspondentemente, os tipos e níveis de letramento que buscamos que   nossos   alunos   construam   –,   que   é   o   fato   de   que,   no   mundo   altamente   semiotizado   da globalização, saber situar os discursos a que somos expostos e recuperar sua situacionalidade social (quem   escreveu,   com   que   propósito   e   ideologia,   onde   foi   publicado,   quando,   quem   era   o interlocutor  projetado etc.)  – é  importantíssimo para  fornecer  artifícios para   os alunos aprenderem, na prática escolar, a fazer escolhas éticas entre os discursos que circulam à sua volta. Isso possibilita aprender   a   problematizar   o   discurso   hegemônico   da   globalização   e   os   significados  antiéticos  que, nele, desrespeitem a diferença, o pluralismo e a democracia.

REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

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BUNZEN,   C.  S.   (2005).  Livro  didático  de Língua Portuguesa:   um  gênero  do  discurso. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas.
BUNZEN,  C. S. & R. H.  R.  Rojo (no prelo). Livro didático de Língua Portuguesa como gênero do discurso:   autoria   e   estilo.   In:   E.   Marcuschi   &  M.   G.   Costa   V al   (orgs.)   O  livro   didático   de   Língua Portuguesa– Letramento, inclusão ecidadania.  Asair por:Belo Horizonte:  Autêntica/CEALE.
CHOPPIN,  A. (1992). Lesmanuelsscolaires: historieetactualité. Paris: Hachette Éducation.
CLARE,   N.   A.   V .   (2002).   50   anos   de   ensino   de   Língua   Portuguesa   (1950-2000).   Anais   do   VI Congresso  Nacional   de  Lingüística  e  Filologia,   Cadernos   do  CNLF ,   Série VI:   Leitura  e  Ensino  de Línguas, s/p. http://www.filologia.org.br/vicnlf/anais/caderno06-05.html, acessado 12/01/2005.
MARCUSCHI,   L.   A.   (2004).   Gêneros   e   suporte:   a   identidade   de   gênero   no   livro   didático. Apresentação no II Simpósio de Estudo dos Gêneros Textuais (SIGET). União da Vitória, Paraná.
RAZZINI,   M.   P .   G.   (2000).   O  Espelho  da  Nação: A Antologia  Nacional   e  o  ensino  de  Português  e de Literatura (1838-1971). Tese de Doutorado. Campinas: IEL/UNICAMP .
RIBEIRO, V . M. (org.) (2003) Letramento no Brasil – Reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global.
SOARES,   M.   B.   (1999).  A  escolarização   da   literatura   infantil   e   juvenil.   In:  A.   Evangelista   et   al. (orgs.).  A escolarização da leitura literária. Belo Horizonte:  Autêntica.

IMPRESSOS E OUTROS MATERIAIS DIDÁTICOS EM SALA DE AULA 

   uns  cem  anos,   eram  bem  poucas   as   opções   de   materiais   didáticos  disponíveis   para   o  que   hoje chamamos   Ensino   Básico,   e   que   se   dividia,   até   a   década   de   60   do   século   passado,   em   Curso Primário   (que   correspondia   às   primeiras   quatro   séries   do   atual   Ensino   Fundamental);   Curso Ginasial   (que   correspondia   às   últimas   quatro   séries   do   atual   Ensino   Fundamental),   e   Curso Secundário, o qual correspondia ao atual Ensino Médio.
Uma   sala   de   aula   tradicional   contava   somente   com   um   quadro   de   giz.   Os   alunos   tinham   que comprar   seus   livros   e   compravam   também   muitos   cadernos:   caderno   de   redação,   caderno   de Matemática,   caderno   de   Música,   entre   outros.   Era   com   isso   que   o   professor   contava   para   sua atividade docente: o livro didático, as tarefas que passava para os alunos e pouco mais.
Na  década  de  50  do  século  passado,  lembro  que  em  minha  sala  de  aula  havia  vários  armários  com animais   empalhados,   esqueletos,   crânios,   conchas   de   moluscos,   entre   outros.   Mas   nos   oito   anos durante os  quais assisti  a  aulas nessa  sala,  eles  nunca foram  abertos.  Havia  também,  dependurados nas paredes,   bem altos,   vários mapas  geográficos,   físicos  ou  políticos.  Também  não  me  recordo de eles jamais terem descido para serem utilizados em uma aula de Geografia ou de História. Isso sem falar   no   laboratório   de   Física   e   de   Química,   tipo   anfiteatro,   cuidadosamente   fechado   a   cadeado   e cujas maravilhas nós percebíamos pelas janelas.
Mais  tarde,  há relativamente pouco  tempo, os professores  passaram  a  utilizar  os  mimeógrafos  para produzir   materiais.   Muitas  escolas  chegavam  mesmo  a  não  utilizar   livros  didáticos,   baseando  todo seu ensino em material mimeografado, escrito pelos professores.  Hoje, a situação mudou muito. Há uma grande gama de materiais didáticos, em vários suportes, que podem ser  utilizados  pelo  professor  em sua sala de aula.   Esses  materiais,   bem  empregados,  podem enriquecer   muito   o   ensino-aprendizagem.   Em   alguns   casos,   são   mesmo   essenciais,   como,   por exemplo,  os  laboratoriais,   sem  os  quais   o  ensino-aprendizagem  de  Física,   Química  e  Biologia  fica completamente desvirtuado.
Uma   diferença   significativa   em  relação   ao   passado   é   que,   agora,   os   vários   materiais   didáticos   à disposição   do   professor   têm  vários   suportes,   não      o   do   papel.   Temos   “materiais   concretos”   de madeira   e  plástico,  entre   outros;   fitas  cassete  e  DVDs;   filmes;   e,   por  fim,   o  computador,   por  vezes com acesso à Internet, o que muito amplia suas potencialidades.
Essa   variedade   de   materiais   didáticos   causa,   por   vezes,   o   embaraço   da   escolha.   O  professor   vai   a congressos  em  que  são  mostrados  materiais;   recebe  catálogos  do  MEC,  com  a  lista  dos  programas disponíveis;   as   escolas   estão   ligadas   por   antena   parabólica   diretamente   a   canais   educativos.   Ao mesmo   tempo,   o   professor      artigos   em   que   se   louva   o   emprego   de   outros   materiais   e   vai   a congressos em que se enaltece o uso desses novos meios para enriquecer sua atividade docente. Por fim,   é assediado  por  vendedores de editoras e de  outras  empresas,  elogiando seus materiais.   Como se   orientar   no   meio   de   tantas   possibilidades   de   escolha?   Como   escolher   o   que   é   mais   apropriado para sua sala de aula, em vez de deixar-se seduzir por modismos?
Em   primeiro   lugar ,   sugerimos   que,   como   princípio   geral,   o   professor   tente   agrupar   todos   os materiais que vai utilizar em torno do livro didático. Isso devido ao fato de que o professor, quando escolheu o livro didático para aqueles seus alunos, procurou uma obra que ele, professor, acha bem adequada ao projeto político-pedagógico da escola; aos objetivos específicos da disciplina ensinada, naquela série, e a seus alunos. Seria prejudicial a utilização de materiais cuja proposta pedagógica  diferente   daquela   do   livro   didático   escolhido.   Por   exemplo,   na   área   de   Matemática,   se   o   livro didático   enfatiza   a   resolução   de   problemas   e   tenta   mostrar   a   evolução   histórica   da   Matemática,   é natural   procurar   outros   materiais   que   caminhem   na   mesma   direção.   Em   outras   áreas,   como   em Língua   Portuguesa,   História   e   Geografia,   é   necessário   mais   cuidado   ainda   para   que   a   opção metodológica   feita   pelo   professor   seja   a   mesma   dos   materiais   que   ele   pretende   utilizar ,   além  do livro didático.
Fazendo   isso,   os   materiais   escolhidos   pelo   professor   se   agruparão   naturalmente,   de   maneira harmoniosa,   em  torno  do  livro-texto, formando uma “constelação”  de  materiais.   Esse agrupamento permite   maximizar   o   aproveitamento   do   livro   didático,   aprofundando   alguns   pontos, complementando   outros,   introduzindo   assuntos   não   tratados   no   livro   didático   e   que   o   professor julga   importantes.   Em   outros   casos,   permite   a   realização   de   experimentos   descritos   no   livro didático.
Posto este princípio geral, ao qual estão subordinadas todas as considerações posteriores, apresentaremos agora algumas sugestões específicas de como escolher e usar materiais didáticos.

1-  Em   primeiro   lugar ,   sugerimos   que   o   professor   escolha   os   materiais   que   vai   utilizar   com   um objetivo bem claro em mente. O professor deve saber para que quer o material. Se, em Matemática, por   exemplo,   ele   está  ensinando   a   estrutura   do   sistema   de   numeração  decimal,   faz   sentido  indicar livros   paradidáticos   que   contam   a   história   dos   sistemas   de   numeração   ou,   em   um   nível   mais elementar , utilizar materiais concretos que mostrem a estrutura e o funcionamento deste sistema. Se em  Ciências está ensinando germinação, nada mais natural do que os alunos fazerem experimentos de   germinação,   trazendo   sementes   para   plantar   em  pequenos   vasos,   que   podem  ser   improvisados com   partes   de   garrafas   de   plástico,   por   exemplo.   Se   em  História   está   trabalhando   a   escravidão,   é  natural   mostrar   filmes   nos   quais   está  retratada   a  situação   do  escravo  ou,   dependendo  da   série   dos alunos,   pedir   para   lerem,   por   exemplo,   artigos   sobre   a   escravidão   retirados,   entre   outras,   de   uma revista,   como,   por   exemplo,   Nossa   História.   Se   em   Geografia   a   turma   está   estudando   a   Região Amazônica,   é  natural   mostrar   filmes  que  mostrem  tanto  os  aspectos  físicos  da  região  como  a  vida das pessoas que aí moram.
Pensando  na  grande  variedade  de  materiais  hoje  disponíveis  para   a  escolha  do  professor  como  um grande  supermercado,  ele,   professor,   deve  ir   a  este  supermercado  com   uma  idéia  clara   do  produto que deseja. Não deve deixar-se deslumbrar pela grande variedade de materiais, alguns apresentados com todos os artifícios mercadológicos para atrair compradores. O professor deve sempre fazer a si mesmo a seguinte pergunta: este material pode ajudar a atingir o objetivo escolhido por mim? Os   objetivos   escolhidos   pelo   professor   podem   ser   de   vários   tipos.   Em   primeiro   lugar,   podem contribuir   diretamente   para   a   aprendizagem   dos   alunos.   Por   outro   lado,   podem   propiciar   um enriquecimento   cultural   dos   alunos,   mormente   nas   áreas   de   Língua   Portuguesa,   História   e Geografia. Por fim, podem servir para a formação da cidadania, pelos alunos.

2     Após   saber   para   quais   objetivos   do   ensino-aprendizagem   o   material   a   ser   utilizado   deve contribuir , é necessário ver a adequação do material e as condições limitadoras para seu uso. Para a primeira   parte,   é  necessário  conhecer   o  material   (lê-lo,  vê-lo,  usá-lo).    assim  o  professor  poderá opinar   se   ele   se   adapta   ao   nível   de   desenvolvimento   cognitivo   dos   alunos,   às   suas   características socioculturais.   Quanto   à   segunda   parte,   é   necessário   levar   em  conta   as   condições   da   escola.   Por exemplo,   não   adianta   sonhar   em   mostrar   uma   fita   VHS   que   o   professor   acha   maravilhosa   se   o equipamento  reprodutor  de  fitas VHS  da  escola  está  quebrado.  Se  a  escola  não  dispõe  de  recursos para   xerocar   textos,   não  adianta  planejar   distribuir   aos  alunos  aquele  artigo  maravilhoso  sobre  um certo   assunto.  Aqui,   o   professor   deve   sempre   se   perguntar:   Este   material   pode   ser   utilizado   com meus alunos? Há condições na minha escola para usá-lo?

3 – Em seguida, é necessário conhecer muito bem o material, suas potencialidades, defeitos e como pode ser explorado. Assim, mais uma vez usando um exemplo da área de Matemática, se   o   livro didático   sugere   a   utilização   do   Tangram   e   o   professor   concorda   com   isso,   ele   deve   se   preparar cuidadosamente,   planejando   que   atividades   vai   propor,   que   perguntas   vai   faze ,   que   resultados procura atingir . Caso não faça isso, corre o  risco de o Tangram ser  utilizado pelos alunos como um simples  jogo,  que  nada  acrescenta  à  sua  percepção  das  formas  e  propriedades  geométricas.   É bem conhecido o risco de deixar   alunos  trabalharem  com   produtos  químicos  se   não   houver   um   roteiro bem   estruturado   que   oriente   suas   manipulações   no   laboratório.   O uso do computador pode ser desvirtuado, transformando-se em simples brincadeira, se o professor  não  planeja  cuidadosamente as sessões no laboratório de computação.
Esse conhecimento do material só é conseguido se o professor o experimenta, colocando-se na situação do aluno.   Constitui-se uma aventura temerária utilizar um   material   sem  conhecê-lo   bem. Hoje, muitos materiais já  vêm  acompanhados de  sua descrição  cuidadosa e  de  instruções  de uso, o que facilita o trabalho de análise do professor, mas não o dispensa.

4 – Planejamento da   utilização   do   material.   Como   é   que   o   material   vai   ser   usado?   No caso   de material   escrito,   por   exemplo,   livros   paradidáticos   serão   lidos   em   sala   de   aula   ou   em   casa?   O professor vai formular perguntas para serem respondidas após a  leitura do material? Ele comentará o material antes de os alunos o lerem ou simplesmente diz que eles devem lê-lo?
No caso de material a ser usado   em   sala   de   aula,   como   por   exemplo   jogos   matemáticos,   como formar   os   grupos   de   alunos   para   a   atividade?   Quantos   alunos   em   cada   grupo?   Escolher aleatoriamente   os   alunos   para   cada   grupo,   ou   grupá-los   de   acordo   com   suas   características   de aprendizagem?   Como   organizar   a   sala   para   o   trabalho   em   grupo?   Quanto   tempo   prever   para   a realização  da  tarefa?  Em  um  laboratório,  qual   será   o  tamanho  de  cada  grupo?  O  que  fazer   com  os outros alunos se o laboratório só comportar um pequeno número de cada vez?
Essas,   e   muitas   outras,   são   questões   que   surgem   naturalmente   ao   ser   planejada   a   utilização   de materiais   didáticos.   Nesse   planejamento,   o   professor   deve   estar   sempre   atento   para   explorar   ao máximo   as   potencialidades   das   situações.  Assim,   por   exemplo,   se   os   alunos   vão   utilizar   em   um Atlas   o  mapa  do  Brasil,   em  vez  de  simplesmente  dizer   “abram  o Atlas   em  tal   página”,   será   muito mais  produtivo  para   a  formação  dos  alunos  ensinar-lhes   como  localizar   um  mapa  em  um Atlas  ou uma   cidade   em   um   mapa.  A  mesma   utilização   do  Atlas   propicia,   de   maneira   natural,   o   trabalho interdisciplinar com a área de Matemática, devido às escalas dos mapas.

5 –  Avaliação do resultado da utilização do material. O material foi fácil ou difícil para os alunos?  A utilização do material transcorreu como previsto? O que funcionou bem? O que não funcionou? Os alunos   pareciam  interessados?   O  tempo   previsto   foi   muito   curto   ou   excessivo?   O  que   deveria   ser modificado   para   a   próxima   vez?   O   professor   considera   que   os   objetivos   pretendidos   foram alcançados?   Em  que   grau?   Como   avaliar   a   contribuição   do   material   para   a   aprendizagem,   para   o enriquecimento cultural ou para a prática da cidadania dos alunos?
São muitas as perguntas deste tipo.  Para alguns materiais, elas podem ser facilmente respondidas. Sugerimos que o professor, juntamente com seus colegas, criem  uma   ficha   de   avaliação   de   cada material   utilizado   na   escola.   Nessa ficha, podem constar, entre outros itens, as características do material, com que objetivos pode ser empregado, como deve ser utilizado, quais seus pontos fortes e fracos, como se  deu  sua  utilização,  como  avaliar   os  resultados  da  utilização  do  material.   Cada  vez que   o   material   for   utilizado,   a   ficha   deve   ser   atualizada. Assim,   depois   de   algum   tempo,   a   escola disporá de um verdadeiro dossiê sobre cada um dos materiais utilizados por seus professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caso   sua   escola   disponha   de   computadores,   são   inúmeras   as   maneiras   para   que   eles   possam  ser utilizados,   tanto  no  contexto  de cada  disciplina do currículo,  quanto para   a  formação  da cidadania. Mesmo   se   a   escola   não   dispõe   de   aplicativos   específicos   para   as   várias   áreas   curriculares,   os processadores   de   texto,   como   o   MS-Word   e   as   planilhas,   como   a   MS-Excel,   oferecem   muitas oportunidades   de  uso  inteligente.   Usando  o Word,  os  alunos  podem,   além  de  trabalhos  individuais redigidos  para  as várias  disciplinas  do  currículo, montar  um  jornal  da  turma ou da  escola.  O Excel se presta  para  muitas atividades  de  Matemática,  em  particular  no  tópico  tratamento da  informação, bem valorizado ultimamente, e que não deve ficar restrito à área de Matemática, mas sim explorado em todas as áreas, particularmente em Estudos Sociais – História e Geografia.
Se, além disso, os computadores estiverem ligados à Internet, aumentam muito as oportunidades para a obtenção   de  informações   por  parte   dos  alunos  e  para   a   construção  de   sua   cidadania,   em  virtude dos inúmeros “sites” que discutem tópicos relativos a este tema. O problema  do  professor  na  utilização  do  computador  é  ter   que  planejar   cuidadosamente  o  roteiro do que será solicitado aos alunos, a fim de evitar que o computador se transforme em jogo ou meio de acesso a informações desordenadas. Como a Internet é cada vez mais usada, tendendo a tornar-se ferramenta   essencial,   o   professor   deve   aproveitar   todas   as   oportunidades   para   orientar   os   alunos para o uso produtivo desse instrumento de coleta de informações, da mesma maneira que devem ser orientados para o uso proveitoso de um  Atlas ou de um  dicionário, entre outros.  O mais importante é  desenvolver   nos  alunos  uma  atitude  crítica  em  relação  às  informações  obtidas,   porque  a  Internet tudo   abriga,   do   pior   ao   melhor .   Principalmente os professores   de   Estudos   Sociais      História   e Geografia      terão   que   ficar   atentos   à   tentação   dos   alunos   de   plagiarem   material   encontrado   na Internet.   O desenvolvimento  de   uma   atitude   ética   nos  alunos  para   evitar   isso  contribui  claramente no sentido da prática da cidadania.
Quaisquer que sejam os materiais utilizados pelo professor na sua prática   docente,   desde   os   mais simples, como, por exemplo, papel quadriculado,  tampinhas de garrafas de refrigerante, recortes de ilustrações   de   revista,   até   os   mais   sofisticados,   como,   por   exemplo,   aplicativos   poderosos,   entre outros   o   “page   maker”   ou   o   “photoshop”,   no   fim,   é   sua   atuação   como   professor   que   é   realmente decisiva para propiciar a aprendizagem e, mais geralmente, a educação de seus alunos. Todo o resto são ferramentas postas à sua disposição para uso judicioso.

OUTRAS MÍDIAS E LINGUAGENS NA ESCOLA 

Esse texto   pretende   fornecer   elementos  para   uma   discussão   sobre   o   trabalho   com   outras   mídias   e linguagens   na   escola,   a   partir   de   algumas   das   perguntas   pedagógicas   clássicas   que   perpassam   a proposição de itens curriculares: por que, o que e como trabalhar com outras mídias e linguagens na escola?   Espera-se   que  essa  discussão  possa   contribuir   para   o  redimensionamento   do   trabalho   com essas   diferentes   mídias   e   linguagens   na   escola,   ultrapassando   uma   perspectiva   instrumental   que destaca  (e  limita)  sua exploração como recurso  didático  em  direção  a uma perspectiva que o  inclui como condição indispensável para uma formação que vise a um exercício mais pleno da cidadania.
Cada  vez mais  a participação social  passa pela  possibilidade de compreensão e  produção de  textos em circulação que, por sua vez, demandam um domínio de diferentes linguagens e mídias.  Ao invés de   uma   perspectiva   de   substituição   entre   mídias,   como   previam  alguns   discursos   mais   fatalistas, quando   afirmavam  que   o   surgimento   da   TV  determinaria   o   fim  do   rádio,   ou   quando   chegaram  a sugerir , mais modernamente, que a internet poderia levar ao fim do livro ou dos jornais impressos, o que   vemos   hoje   é   uma   crescente   convivência   e   até   complementaridade   entre   essas   linguagens   e mídias2.  Muitos textos contemporâneos acabam sendo constituídos  por  diferentes  linguagens e  são suportados por diferentes mídias que se interpenetram.
Se, no século XIX, o desenvolvimento da litografia e da fotografia proporcionou a veiculação de imagens/fotos no jornal   impresso,   “obrigando”   seus   leitores   a   aprenderem   a   ler   essa   outra linguagem  e  estabelecer   relações  de  intertextualidade,   o  mundo  digital   coloca  em  relação,  em  uma produção  textual,   diferentes  linguagens  e  mídias,   cuja  compreensão  depende  de  novas  capacidades que   precisam   ser   desenvolvidas,   tendo   a   escola,   nesse   processo,   um   papel   fundamental   a desempenhar. Além   disso,   o   mundo   digital   possibilita   uma   verdadeira   revolução   em   termos comunicacionais, o que também não pode ser ignorado pela escola: de uma comunicação de massa, cujo   fluxo   de   comunicação   era   unidirecional   de   um   para   muitos      como   na   TV ,   rádio,   cinema, impressos   etc.      passa-se   a   uma   comunicação   interativa,   bidimensional,   virtualmente,   de   muitos para muitos.
Essas   seriam  algumas   das   razões   pelas   quais   a   escola   deve   se   ocupar   dessas   diferentes   mídias   e linguagens.   Mas   para   que   se   possa   vislumbrar   mais   concretamente   esse   trabalho,   é   necessário pensarmos   também   em   outras   justificativas,   no   que   e   no   como   trabalhar   com   essas   mídias   e linguagens na escola, que são as perguntas orientadoras do presente artigo.

1 – Porque trabalhar com diferentes mídias e linguagens na escola hoje?

O   trabalho   com   outras   mídias   e   linguagens   na   escola   hoje   deve   ser   encarado   não      como   (a) potencialidades  a  serem  exploradas   em  termos  de  diversificação  de  recursos  metodológicos  para   o ensino   de   determinados   conteúdos   ou   a   consecução   de   determinados   objetivos   postos   em   um currículo, mas também, e com igual importância, deve ser visto também como (b) uma finalidade e como um conteúdo em si de forma articulada e  transversal a  diferentes conteúdos e  objetivos postos no currículo.

a)      Potencializando recursos didáticos


É   inegável   a   potencialidade   de   uso   das   diferentes   mídias   e   linguagens   que   podem   ser   postas   a serviço dos professores das  diversas  disciplinas curriculares. Carvalho (2005), no texto de apoio ao Programa 4 dessa série, salienta alguns desses usos: vídeos e filmes que podem ser utilizados como ilustração   ou   aprofundamento   de   determinados   temas   tratados   nas   disciplinas,   aplicativos   que podem  ser   usados  para   desenvolver   atividades,   como  planilhas   em  Matemática   e  editores   de  texto nas várias disciplinas, uso da Internet como fonte de pesquisa para os mais variados assuntos etc.
Nessa   mesma   direção,   podemos   também  afirmar   que   algumas   mídias   podem  ser   mais   adequadas para   a  explicação  de  alguns  fenômenos  do  que  outras.   Não  é  difícil   perceber   como  a  ilustração  de um determinado fenômeno físico ou químico, que envolve movimento e/ou transformação, pode ser mais   bem   visualizada   numa   mídia   que   permite   veicular   imagem   em   movimento,   eventualmente acoplada a  som (TV ,  computador), do  que numa  folha  impressa,  associando  texto  verbal  e  imagem estática. O mesmo se pode dizer em relação à construção de imagens digitalizadas que favorecem a construção de representações espaciais, tão úteis à área de Ciências Humanas.
Neste caso, a Internet é fonte rica de recursos, já que permite a articulação simultânea de várias mídias, disponibiliza uma variedade grande de exemplares, além de possibilitar acesso remoto.  Esses   recursos   devem   estar   acessíveis   ao   professor .   Assim,   deve   haver ,   por   parte   dos   órgãos públicos, cada vez mais, uma preocupação com a oferta de informações sempre atualizadas sobre o que se  tem  disponível,  e como podem ser  usadas,   bem como a  avaliação desses  produtos  e  de suas potenciais   utilizações.   Em  tempos   de   Internet,   por   vezes,   mais   do   que   disponibilizar   informações primárias  novas  ou  produzir   conteúdos  ou  recursos  novos,   muitas  vezes  a  necessidade  é  organizar os já existentes, transformando-os em conteúdos acessíveis.

b)   Desenvolvendo capacidades de réplica: diferentes mídias e linguagens como objeto de estudo.

Nos  dias  atuais,   na  chamada  sociedade  da  informação,  a  perspectiva  de  formação  para   a  cidadania só pode se concretizar se houver a possibilidade de acesso e uso de  diferentes mídias e se a relação dos  sujeitos  com  os  discursos  produzidos,   a  partir   de  diferentes  linguagens,   e  suportados  por  essas mídias,  não  for de passividade.  Isso requer ações em  três  dimensões complementares e articuladas. A primeira dimensão de ações diz respeito a possibilitar conhecimentos técnicos/operacionais para a utilização   dessas   mídias.  Assim,   no   que   se   refere   por   exemplo,   à   informática,   trata-se   de   ensinar conhecimentos   básicos   sobre   computadores,   usos   de   aplicativos   e   programas   de   edição   de   texto, planilhas,   apresentações,   procedimentos   para   navegação   na   Internet   etc.   Cabe   observar   que   essas aprendizagens devem se dar,  de preferência,  de forma contextualizada,  ou seja,  vinculadas a  outros objetivos e conteúdos. Em outras palavras, deve-se evitar a realização de cursos de informática que visem ao ensino desses conteúdos de forma artificial, solicitando a escrita de textos em editores tão somente para aprender a operar com o programa, ensinar a navegar na internet sem ter um objetivo claramente definido etc. Isso porque o que se quer não é só o ensino desses procedimentos, mas que os alunos possam operar com as informações disponibilizadas na rede e que possam efetivamente se inserir nas práticas sociais que se realizam nesse mundo digital.
A  segunda   dimensão   de   ações   necessárias   diz   respeito   exatamente   à   promoção   de   condições   para que  o  aluno possa  participar  do mundo  digital.  Na perspectiva  de  um  ideal  de  uma sociedade mais justa  e  igualitária,   o  letramento  digital   deve  ser   uma  meta  a  ser   perseguida  e  a  escola  deve  ter   um papel   essencial   nesse   processo.  A  importação   do   conceito   de   letramento   dos  estudos  sobre   escrita não poderia ser mais feliz e adequada a esse contexto, pois a questão não é apenas ensinar os alunos a  utilizarem  ferramentas  e  ou  programas  no  sentido  de  seu  domínio  técnico  de  funcionamento    o que   equivaleria   a   uma   certa   aprendizagem  do   código,   à   alfabetização   no   sentido   mais   restrito   do termo.  Trata-se  de  possibilitar   que   os  alunos  participem  dessas   práticas   letradas  do  mundo  digital, que   dominem  os  gêneros   que   nele   circulam,   que   aprendam  a   utilizar   os   espaços   virtuais   e   a   lidar com   os   tempos   síncronos   e   assíncronos   de   comunicação,   bem   como   com   os   hipertextos   e   as hipermídias.
Dessa   forma,   essas   práticas   de   linguagem   próprias   do   mundo   digital   precisam   de alguma   forma   estar   previstas   no   projeto  político-pedagógico  da  escola   e  nos  planos  de   ensino   das várias   disciplinas,   devendo   ser   desenvolvidas   de   forma   articulada   com   os   demais   conteúdos, objetivos e capacidades visados. Como  desdobramento  do  trabalho  com   letramento  digital,   coloca-se   a   necessidade   de   desenvolver capacidades de compreensão nos nossos alunos que  transcendam a busca do entendimento do  texto e   que   impliquem  a   possibilidade   de   que   eles   construam  réplicas   em  relação   ao   que   lêem,   ouvem etc.,   refutando,   concordando,   complementando,   questionando,   surpreendendo-se,   dentre   outras ações lingüísticas possíveis4. Isso implica o trabalho com diferentes capacidades de leitura, tanto as mais  costumeiramente  focadas  nas  práticas  escolares,   que  se  relacionam  mais  com  o  entendimento do   texto   em  si   (levantamento   e   checagem  de   hipóteses,   localização   e   comparação   de   informação, generalização, estabelecimento de  inferências etc.) como  também  outras, não  tão consideradas pela escola,   que   focam   aspectos   relativos   à   discursividade   (recuperação   do   contexto   de   produção, estabelecimento   de   metas/objetivos   de   leitura,   estabelecimento   de   relações   de   intertextualidade   e interdiscursividade, elaboração de apreciações estéticas, éticas, políticas etc.).
Rojo (2004), fazendo uma retrospectiva das teorias de leitura, reorganiza essas capacidades, acentuando a importância do trabalho   escolar   voltado   para   elas,   no   que   diz   respeito   ao   texto   verbal.   Levando   em   conta   suas especificidades,   capacidades   muito   semelhantes   devem   ser   desenvolvidas   no   trabalho   com   as linguagens não verbais e, sobretudo, essas linguagens devem  ser colocadas em relação.
Uma  terceira  dimensão de ações,  intimamente  ligada à segunda,  relaciona-se com a necessidade de possibilitar   uma   reflexão   crítica   por   parte   dos   alunos   sobre   essas   mídias.   Mais   do   que   se   utilizar dessas   mídias   e   linguagens,   é   importante   sua   tematização   enquanto   objeto   de   análise.   Nessa perspectiva,   é  preciso  que  a  escola  promova  problematizações  envolvendo  o  contexto  de  produção dos usos dessas mídias.
Quais   as   especificidades   das   diferentes   mídias?   Que   tipo   de   uso   vem  sendo   feito   dessas   mídias? Quais   são   os   interesses   que   cercam  o   uso   das   variadas   mídias?   Que   perspectivas   estão   em  jogo? Que   tipo   de   conteúdo   é   veiculado?   Qual   a   sua   qualidade?   Pode   a   programação   da   TV   ser considerada   uma   experiência   de   cultura?   Por   que   determinados   programas   de   TV  garantem  tanta audiência?   Qual   a   diferença   entre   entretenimento   e   produção   de   cultura?   Qual   a   diferença   entre informação e  conhecimento?  Em  nome  da  liberdade  de expressão  deve-se  permitir  a  publicação  de qualquer   coisa   na   Internet?   Essas   são   algumas   das   questões   que   podem   deflagrar   discussões   e atividades substantivas em sala de aula,  que permitirão que o aluno possa desenvolver uma postura crítica   em   relação   aos   conteúdos   dessas   mídias,   mesmo   diante   daquelas   que   imprimem   maior passividade, como é o caso da TV e do rádio.
O  ideal,   em  termos  pedagógicos,   é   que   essas   três   dimensões   de   ação   possam  acontecer   juntas,   de forma articulada e transversal ao currículo. Mas como fazer isso?

2 – O que e como trabalhar com outras mídias e linguagens na sala de aula?

Com relação ao tipo de conteúdo a ser trabalhado, ao discorrermos sobre as razões que sustentam a ideia de que a escola deve trabalhar com diferentes mídias e linguagens, já mencionamos alguns, de forma  que,  nesse  item,  faremos  apenas uma  reorganização dos mesmo  e  uma subcategorização,  no que diz respeito ao mundo digital – computador e web.

a)   Exemplos   de   conteúdos   relativos   à   aprendizagem   de   procedimentos   para   uso   de   ferramentas, programas e para navegação na WEB:

• Entendendo o que é um computador e obtendo noções básica de informática;
• Inicializando o computador, operando com mouse e teclado, conhecendo comandos básicos;
   Conhecendo   procedimentos   comuns      salvar   e   abrir   arquivos;   organizar   os   arquivos   em  pastas; imprimir , compreender as janelas e o trabalho com múltiplas janelas;
   Conhecendo   e   utilizando   aplicativos      editor   de   textos,   planilhas,   apresentação,   gerenciador   de arquivos etc.,
• Conectando na rede: conhecendo navegadores, os componentes de uma página web, entendendo a lógica  dos  endereços  eletrônicos  e  as  formas  de  organização  de  sites,   conhecendo  programas  de  e-mail   e   obtendo   uma   conta   de   e-mail,   conhecendo   procedimentos   para   enviar   arquivos   e   para gerenciar   uma   caixa   postal   ou   web-mail,   conhecendo   ferramentas   e   procedimentos   de   pesquisa, acessando bibliotecas virtuais etc;

b) Exemplos de conteúdos relativos ao domínio das formas de participação na web:

• Trabalho com ambientes WEB, com gêneros que circulam nesses ambientes e com as múltiplas linguagens:   tipos   de   sites,   chats,   fóruns,   bate-papo,   programas   de   mensagens   instantâneas,   orkut, blog,   e-mail,   formulário   eletrônico,   cadastro,   perfil,   notícia   on-line,   artigo   de   opinião,   crônica, artigo científico, artigo de divulgação científica, e-book etc.
• Trabalho com as capacidades de busca de informação, de compreensão (mencionadas no item anterior) e produção de textos disponibilizados em contexto Web.

c) Exemplos de conteúdos relativos à reflexão sobre o mundo Web:

• contexto da Web: histórico da Web e ações que se pode fazer via rede;
• Interesses e perspectivas diversos na Web;
• Significados políticos e econômicos dos softwares livres e abertura dos códigos fontes;
• Propriedade dos conteúdos x comunidades de aprendizagem;
• Confiabilidade dos dados;
• Questões legais e éticas envolvidas na veiculação de informação.

A escolha desses conteúdos deve ser pautada pelo perfil dos alunos da comunidade escolar,  no que diz   respeito   ao   acesso   a   essas   práticas   fora   da   escola   e   aos   demais   itens   do   projeto   político-pedagógico.  Assim, quanto menos acesso ao mundo Web o aluno tiver fora da escola, mais a escola deve   trazer   esses   conteúdos   para   dentro   dela   e   pensar   em   parcerias   de   trabalho   com   outras instituições   pertencentes   à   comunidade   da   qual   faz   parte      infocentros,   oficinas   culturais   etc.   Em todos   os   casos,   entretanto,   questões   relativas   aos   itens   (b)   e   (c)   merecem   ser   tematizadas   pela escola, pois de alguma forma propõem reflexão sobre o uso da Web, e não somente seu uso. Quanto   ao   como   trabalhar ,   uma   primeira   observação   diz   respeito   à   importância   de   propor   um trabalho  articulado  dos  conteúdos  aqui  exemplificados  entre  si   e  com  os  conteúdos  e  objetivos  das demais  disciplinas curriculares.  Assim, ainda que possa haver a necessidade de que um especialista em  informática esteja trabalhando diretamente com os alunos,  esse não deve se restringir ao ensino de   procedimentos   básicos   para   o   manuseio   das   ferramentas,   mas   deve   sempre   procurar   ampliar   o letramento digital, e deve também estar trabalhando com os professores das demais disciplinas para a consecução dos objetivos das mesmas. Cursos que simplesmente ensinam procedimentos técnicos que  o  aluno  não  terá   oportunidade  de  pôr  a  serviço  de  alguma  outra   finalidade,   ou  que  de  alguma forma não se incorporem à sua prática cotidiana, têm se mostrado inócuos.
Seguem algumas sugestões de como trabalhar alguns dos tópicos de conteúdos listados.

Exemplo 1– trabalhando com fóruns de discussão:

Vamos supor que se queira trabalhar com os fóruns de discussão que circulam na Web. Em primeiro lugar,   os   professores   devem  selecionar   alguns   fóruns   (de   preferência   que   se   vinculem  de   alguma forma aos outros conteúdos/temáticas que pretenda trabalhar) e propor a sua observação aos alunos. Um   roteiro   de   questões,   que   deve   levar   em   conta   os   conhecimentos   prévios   dos   alunos   a   esse respeito,  pode  auxiliar   na  exploração  inicial   desses  espaços:   por  quem  esses  fóruns   são  propostos? Qual a finalidade deles? Quem participa deles? Há algum mediador?
Articulado   a   essa   exploração   de   ambiente,   pode-se   propor   um   trabalho   com   o   gênero   discussão argumentativa,  que circula nesse ambiente.   Assim,  é fundamental  se perguntar: Sobre o que se fala nesses   fóruns?   O   que      de   comum   nas   inserções   dos   vários   participantes?   O   que   fazer   para participar   desses   fóruns?   Aqui   a   idéia   é   fazer   o   aluno   perceber   que      uma   questão   polêmica proposta,   diante   da   qual   os   participantes   tomam   várias   posições,   argumentando,   ironizando   ou simplesmente   emitindo   sua   opinião.      também   que   se   perceber   o   movimento   dialógico   de   um fórum,   que   deve   prever   uma   interação   entre   muitos   e   não   de   todos   com   a   questão   polêmica proposta. Ora, isso implica a leitura prévia das várias participações e o conhecimento dos diálogos a respeito delas,  na elaboração das perguntas e respostas.  Depois dessa exploração, ou paralelamente a   ela,   é   interessante  que  o  aluno  possa  participar   de  alguns  fóruns.   É  preciso  também  que  o  aluno possa,   de   alguma   forma,   se   familiarizar   com   os   tempos   assíncronos   de   comunicação   e,   portanto, volte várias vezes aos fóruns dos quais participou.
Mais do que o ensino de uso de um ambiente ou de um gênero, o que pode estar em questão numa atividade   como   essa   é   o   respeito   à   diversidade   de   idéias   e   o   trabalho   com   argumentação,   como forma de defender posições, práticas inerentes ao exercício da democracia.

Exemplo 2– trabalhando com as várias formas de participação na WEB:

Como      dito,   ao   contrário   da   nossa   quase   forçosa   passividade   diante   de   textos   lidos   nos   jornais impressos  ou   ouvidos  na   TV  e   no   rádio5,   a   Web   propicia   a   divulgação   de   nossas   apreciações   em relação ao lido/ouvido/visto de forma quase imediata. Isso pode e deve ser vivenciado pelos alunos. Pode-se   propor  que   o  aluno   vivencie  seus   vários  papéis   na   leitura   de   textos  da  Web,   que   também podem ser escolhidos em função das necessidades temáticas das áreas curriculares:

• de leitor, espectador   e   ouvinte   (quando   se   depara   com   textos   em   que   aparecem   diferentes linguagens e mídias);
• de leitor-comentador – quando envia comentários, opiniões sobre o que acaba de ler;
• de leitor-entrevistador – quando participa   de   chat   com   convidados   (e   aqui   a   escola   pode   tentar articular chats com convidados sobre assunto de interesse dos alunos);
   de   leitor-editor     quando  pode,   por  exemplo,   selecionar   o  tipo  de   notícia   que   deseja   receber   em seu e-mail ou até mesmo “montar” um jornal com as notícias escolhidas;
• finalmente, de autor de textos que podem ser publicados na Internet.

Exemplo 3 – Exemplos de problematização de questões éticas e políticas

A leitura de uma notícia no jornal como a publicada pela Folha de S. Paulo em 20/05/2005 – “China recruta   bajulador   on-line”      pode   disparar   uma   boa   discussão   em   sala   de   aula.   Trata-se   de   uma notícia   que   relata   que   o   governo   chinês   está   recrutando,   entre   os   funcionários   do   governo, comentadores on-line para participarem anonimamente de fóruns e chats sobre assuntos políticos de interesse do governo, numa tentativa de manter a opinião pública sob controle. Essa discussão é um bom mote para  tematizar a questão do  potencial de emancipação da Internet e dos mecanismos que tentam cercear esse  potencial,   justificando  a  importância  de  estender  o acesso dessa mídia a  toda  a população e garantir um uso crítico dela.
Uma   outra   possibilidade  é  tomar   por  exemplo  o  orkut,   do  qual   Brasil   é  o  primeiro   em  número   de usuários – cerca de 65% dos usuários mundiais são brasileiros –, e hipotetizar interesses que podem mover   a  disponibilização  desse  tipo  de  comunidade.   Seu  objetivo  declarado  é  proporcionar   a   seus membros (re)encontrar velhos amigos, criar novas amizades e manter relacionamentos. Há no orkut vários   grupos   de   discussão   organizados   em   volta   de   variados   tópicos,   para   os   quais   o   acesso   é movido   porque,   de   alguma   forma,   os   nomes   ou   temas   desses   grupos   chamam   a   atenção   dos usuários.      quem  especule   que   os   dados   do   cadastro,   que   os   membros   têm  que   responder   (que inclui,   além  de   dados   pessoais,   livros   e   músicas   preferidos),   são   ou   poderão   ser   usados   para   fins comerciais      elaboração   de   mala   direta,   uma   das   armas   do   marketing,   ou   como   instrumento   de pesquisa   de   comportamentos   e   preferências.      ainda   quem  diga   que   empresas   começam  a   fazer usos ainda mais escusos do  orkut: consultam dados (como gostos, comunidades de que participam)
 no   processo   de   contratação   de   pessoas,   numa   espécie   de   complemento   oculto   do   currículo, buscando  obter  dados  de características  da  personalidade.
Ora,   tanto fascínio  e especulação  podem ser   objeto de  discussão em  sala de  aula.  Algumas perguntas podem  orientar  a  discussão:  Por que  o orkut exerceria  tanto fascínio entre os brasileiros? O que  dizer dos  temas dos grupos de  discussão? Quem  disponibilizou   o   orkut   e   qual   teria   sido   sua   finalidade   (aqui   se   pode   identificar   o   objetivo explícito   e   levantar   hipóteses   sobre   outros)?   Por   que   alguém   ligado   a   uma   empresa   comercial disponibilizaria algo assim de graça? O que pensam os alunos em relação às especulações sobre os usos comerciais dos dados do orkut? Trata-se de um procedimento ético?
Um  último   exemplo   de   atividade   pode   ser   tomado   do   orkut   ou   de   outros   ambientes   existentes   na Web: discussão de conteúdos veiculados de natureza preconceituosa, de cunho sectário etc. Levar os alunos a procurar esses conteúdos, discutir sua inadequação e ensinar canais e formas de denúncia é uma  atitude  necessária,   tanto  no  que  diz  respeito  à  formação  ética  e  política  dos  alunos,   quanto  na regulação  ética do uso  da  rede.  Hoje  a  legislação  ainda não  é  totalmente clara  em relação a  muitas questões   envolvendo   a   Web.  Ainda   que   o   fosse,   a   possibilidade   de   fiscalização   ainda   é   pequena, dada   a   gigantesca   quantidade   de   informações   disponíveis   e   algumas   formas   de   não   identificação direta.   Por essas razões e também pelo “espírito” da rede, a idéia é que os próprios usuários gerenciem o seu uso, e para tanto é preciso formar para esse uso responsável e crítico.
Os exemplos poderiam ser muitos, mas há um fator determinante do qual  a seleção de conteúdos e aspectos   da   ordem  do   como   trabalhar   dependem  e   para   o   qual   dedicaremos   o   último   item  desse texto – a formação de professores.

3. Aprendendo com a história – uma nota a respeito deformação de professores

De   nada   adiantaria   uma   lista   interminável   de   aplicativos,   softwares,   conteúdos   e   metodologias   se não   se   garantir   a   formação   de   professores   para   o   trabalho   com   essas mídias.   Não   podemos,   mais uma   vez,   a   exemplo   do   que   aconteceu   com o boom   editorial   dos   livros   didáticos,   permitir   o investimento   apenas   na disponibilização   dos   meios   sem  formar   os   professores   para   o   seu   uso ou permitir   uma  total   dissociação  e  distanciamento  entre   quem  produz  material   ou  atividades  e   quem faz uso deles em situações  didáticas.  E,  nesse caso específico, formar para o uso passa  por garantir que o professor possa também vivenciar o mundo digital e possa propor ações para explorá-lo junto a   seus   alunos.   Dessa   forma,   são   urgentes   programas   que   visem  a   esses   objetivos.
Eles   podem  ser atingidos  de  duas  maneiras,   que  podem  inclusive  atuar   complementarmente:   a  partir   de  programas que   utilizem  essas   mídias   como  meio   para   seu  desenvolvimento  e   tematizem  os  seus  usos  apenas como  condição  para   sua  implementação,  ou  a  partir   de  programas  que,   além  de  usar   essas  mídias, tomem  as  mesmas  como  objeto  de  reflexão.  No  primeiro   caso,  podemos  citar   como  exemplos  três programas   desenvolvidos   pela   Secretaria   de   Educação   do   Estado   de   São   Paulo:   o   PEC - Formação Universitária,   o   PEC-Municípios   e   o   Ensino   Médio   em   Rede.   Todos   eles   associaram   o   uso   de material   impresso,   videoconferência,   teleconferência   e   atividades   WEB6.   Para   além   de   se colocarem  como   forma   de   viabilização   de   ações   desse   porte   a   custos   compatíveis,   o   uso   dessas mídias contribuiu para a inserção desses professores no mundo Web. Muitos foram os depoimentos colhidos   de   professores   destacando   as   resistências   iniciais,   que   se   converteram   em   conquistas futuras e apropriação de algumas práticas interacionais típicas desse meio.
Como   exemplo   do   segundo   tipo   de   programa,   podemos   citar   o   “Práticas   de   leitura   e   escrita   na contemporaneidade”,   desenvolvido   pela   PUC-SP  em  parceria   com   a   SEE-SP ,   cujos   objetivos   são exatamente   promover   a   ampliação   do   letramento   digital   dos   educadores,   desenvolver   suas capacidades   de   leitura   e   produção   de   textos   e   discutir   alternativas   didáticas   para   o   trabalho   com leitura   e   escrita   de   seus   alunos.   Nas   várias   atividades   propostas,      sempre   a   associação   de   um objetivo/conteúdo   relativo   ao   desenvolvimento   das   capacidades   de   compreensão   e   produção   de textos  com  a  exploração  de  um  gênero   que  circula  na Web,  ou  de  um  ambiente  típico  (no   qual   ele efetivamente   interage)   ou,   ainda,   o   uso   de   aplicativos   como   planilhas,   apresentações,   editores   de texto, para a realização das atividades.
Para   que   iniciativas   desse   tipo   possam   ter   sucesso,   é   imprescindível   que   haja   a   inserção   nos objetivos de programas de formação de questões ligadas à ampliação do letramento digital e que se garantam formas de consecução desses objetivos. Mais do que ampliar sua  inserção no mundo  digital, a  longo prazo, essas ações precisam garantir a formação   do   professor   para   a   transformação   das   práticas   pedagógicas,   na   direção   do   que   hoje apontam algumas teorias educacionais e psicológicas, que essas mídias também possibilitam:

“A   sala   de   aula   interativa   seria   o   ambiente   em   que   o   professor   interrompe   a tradição  do falar/ditar ,  deixando de  identificar-se  como o  contador  de histórias,  e adota  uma  postura  semelhante  a  do  designer  de  software   interativo.  Ele   constrói um   conjunto   de   territórios   a   serem   explorados   pelos   alunos   e   disponibiliza   co-autoria  e  múltiplas  conexões,   permitindo  que  o  aluno  também  faça  por  si   mesmo.”

(...) O aluno, por sua vez, passa de espectador passivo a ator situado num jogo de preferências, de opções, de desejos, de amores, de ódios e de estratégias, podendo ser emissor e receptor no processo de inter compreensão. E a educação pode deixar de   ser um produto para se tornar processo de troca de ações que  cria conhecimento senão apenas os reproduz”(Silva, 2002, p. 23).

Para   concluir ,   vale   destacar   que      algum   tempo   está   posta   a   discussão   sobre   o   duplo   potencial dessas mídias – de emancipação e de exclusão social. Petrella (apud Kóvacs, 2002) aponta para um paradoxo que se constitui na sociedade de valorização da informação e do conhecimento, que é um apartheid   social   mundial,   baseado   na   desigualdade   entre   os   recursos   humanos   na   relação   com   o conhecimento.  A mudança desse quadro social,  que  já vem se consolidando, depende de  iniciativas políticas   que   garantam   desde   recursos   materiais   nas   escolas   ou   comunidades   escolares,   acessos, aplicativos  e  conteúdos  livres   até  a  formação  continuada  de  professores  para   o  uso  dessas   mídias, para que possam proporcionar o letramento digital de seus alunos.
Em  outros   tempos   de   avanços   tecnológicos,   Walter   Benjamin   (1936)   analisou   a   força   que   a   arte (sobretudo,   o   cinema),   cujo   acesso   pôde   ser   democratizado   pela   possibilidade   tecnológica   de reprodutibilidade,   poderia   ter   na   organização   do   proletariado,   a   partir   de   seu   potencial   de conscientização.   Suas   postulações   teóricas   sucumbiram  diante   da   indústria   cultural,   sobretudo   da indústria   cinematográfica.   Novamente   a   história   nos   coloca   frente   a   um   duplo   potencial tecnologicamente   situado:   podemos  também  simplesmente  nos  render   frente  à   comercialização   de acessos,   aplicativos   e   conteúdos   ou   resistir   buscando   soluções   mais   democratizantes,   como   a formação   de   comunidades   de   aprendizagens   e   demais   formas   de   trabalhos   colaborativos.   Dessa decisão política de hoje depende nossa história de amanhã e a possibilidade ou não de consolidação dos ideais de uma sociedade mais justa e igualitária.

BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN,  M.   (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem.  São Paulo, Editora Hucitec,   1997,  pp. 131-132.
BENJAMIN, W .  (1936).  A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.  In: Magia e  técnica, arte e política. São Paulo:Brasiliense, 1986.
CARVALHO,   J.   B.  P .   (2005).  Outros  impressos  e  materiais  didáticos  em sala  de aula.  Texto escrito para   o   Programa   4   da   Série   Materiais   didáticos   -   escolha   e   uso.   Salto   para   o   Futuro/   TV  Escola, 2005.
KÓVACS, I. (2002). Qualificações e ensino/Formação na era da globalização. In: Scherer - Warren, I. e  Ferreira,  J.  M.   C. Transformações sociais  e  dilemas da  globalização: um  diálogo Brasil-Portugal. São Paulo:Cortez, 2002.
ROJO,   R.   (2004).   Letramento   e   capacidades   de   leitura   para   a   cidadania.   Texto   de   divulgação científica   elaborado  para   o  Programa  Ensino  Médio  em  Rede.   In:   CD  do  Programa  Ensino  Médio em Rede, Rede do Saber/Cenp/SEE-SP , 2004.
SILVA, Marco (2000). Sala de aula interativa. Rio de Janeiro, Quartet editora, 2002.


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