Blog “Educação
Brasileira Contemporânea”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
Dermeval Saviani
FFCLRP - Universidade de São Paulo. Professor Emérito da UNICAMP
RESUMO
Este estudo parte da
explicitação do significado da "Faculdade de Educação, Ciências e
Letras", prevista no "Estatuto das Universidades Brasileiras"
instituído em 1931, em correlação com a "Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras" tal como proposta na criação da USP, em 1934, passa pelo breve
ensaio de um modelo alternativo representado pela Universidade do Distrito
Federal, fundada em 1935, e reconstitui a trajetória do Curso de Pedagogia
desde sua criação, em 1939, até o momento presente. A conclusão do trabalho
aponta para a constatação de que a excessiva preocupação do movimento dos
educadores e dos estudiosos da questão com a regulamentação, isto é, com os
aspectos organizacionais, tem dificultado o exame dos aspectos mais
substantivos referentes ao próprio significado e conteúdo da pedagogia sobre
cuja base cabe estruturar o curso correspondente. Daí que a continuidade da
investigação deverá articular a abordagem histórica com a perspectiva teórica
do problema em estudo.
INTRODUÇÃO
As tentativas de
elevar os estudos de educação ao nível superior remontam à reforma da instrução
pública paulista do início da República. A Lei n.88, de 1892, instituiu o Curso
Superior da Escola Normal com dois anos de duração, tendo como finalidade a
formação de professores para as escolas normais e ginásios (Reis Filho, 1995,
p.162). Mas, embora essa legislação tenha permanecido até a reforma de 1920, o
curso superior previsto jamais foi implantado.
Essa questão é
retomada em 1931 quando, no Decreto 19.851/31 que baixou o Estatuto das
Universidades Brasileiras, se prevê, entre as faculdades necessárias para se
constituir uma universidade no Brasil, a de Educação, Ciências e Letras. É
nesse momento, portanto, que se origina nosso estudo. Considerando-se que o
conceito de academia, na acepção deste trabalho, se aplica por excelência às
universidades, estamos pensando o enunciado "espaço acadêmico da
pedagogia" como o lugar ocupado pelos estudos de educação no âmbito do
ensino superior e, mais especificamente, nas universidades. E o referido
decreto, exatamente quando se propõe a regular o funcionamento das
universidades estabelecendo as condições para que uma instituição de ensino
superior se constitua como universidade, introduz a educação como uma dessas
condições.
É certo que essa
condição aparece, no decreto, apenas como uma possibilidade e não como uma
exigência impositiva, uma vez que a "Faculdade de Educação, Ciências e
Letras" figura, ao lado das tradicionais faculdades de Direito, Medicina e
Engenharia, entre as quatro unidades dentre as quais pelo menos três são
definidas como indispensáveis para constituir uma universidade. Assim, de fato,
continuava possível a instituição de universidades com as três faculdades
tradicionais sem se abrir o espaço acadêmico para os estudos educacionais. Mas
o simples fato dessa nova faculdade figurar ao lado das três tradicionais com
peso equivalente podendo somar-se a elas ou, até mesmo, substituir uma delas na
organização da universidade já representa um indicador da importância que se
passou a dar aos estudos superiores de educação. E, efetivamente, como se
procurará evidenciar, o espaço acadêmico dos estudos educacionais não deixou de
se firmar, a partir daí, no âmbito das universidades.
O SIGNIFICADO DA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS
O ministro Francisco
Campos, responsável pela elaboração do Decreto relativo ao Estatuto das
Universidades Brasileiras, em longa exposição de motivos esclarece as razões da
introdução da Faculdade de Educação, Ciências e Letras no texto do Estatuto,
como condição possível e não obrigatória, assim como na reorganização da
Universidade do Rio de Janeiro, efetivada pelo Decreto n.19.852/31, definida
pelo ministro como "modelo para as universidades e institutos
equiparados" (Campos. Em Fávero, 2000, p.126). Considera ele que é essa
Faculdade que permite à universidade transcender "os limites do interesse
puramente profissional" imprimindo-lhe o caráter de universalidade
(Campos. Em Fávero, 2000, p.127).
Trata-se, porém, de
uma aspiração geral que resulta, na prática, não apenas relativizada, mas cujo
sentido é, até mesmo, invertido. Entende o ministro que, em razão "do
nosso estado de cultura e dos defeitos e vícios do nosso ensino", a
instalação dessa nova faculdade teria um "papel eminentemente utilitário e
prático". Conseqüentemente, a nova faculdade não seria apenas um
"órgão de alta cultura ou de ciência pura e desinteressada" mas deveria
ser, "antes de tudo e eminentemente, um Instituto de Educação" cuja
função precípua seria a formação dos professores, sobretudo os do ensino normal
e secundário (Campos. Em Fávero, 2000, p.127).
Fica claro, portanto,
na visão do ministro, o motivo pelo qual se optou pela denominação
"Educação, Ciências e Letras" para a nova faculdade introduzida na
organização do sistema universitário com a entrada em vigor do Estatuto das
Universidades Brasileiras.
Entretanto, embora o
Decreto n.19.852/31, que reorganizou a Universidade do Rio de Janeiro, tenha
introduzido a Faculdade de Educação, Ciências e Letras em caráter obrigatório,
esse dispositivo legal não se concretizou "por haver, da parte do Colégio
Pedro II, interesse em que a nova faculdade fosse integrada ao colégio". O
ministro, porém, não reconhecendo "a competência ou capacidade" do
Colégio Pedro II "para assumir tão alta responsabilidade", adiou a
solução do problema (Fávero, 2000, p.47). Portanto, a nova faculdade embora
legalmente instituída, não chegou a ser instalada.
Ao ser criada a
Universidade de São Paulo em 1934, definiu-se como espinha dorsal da nova
instituição a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, na concepção de
seus fundadores, assumia o caráter de alma mater da universidade.
Cultivando todos os ramos do saber, promovendo o ensino de disciplinas comuns
aos demais institutos universitários e colaborando na formação dos professores
secundários e do próprio ensino superior, a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras se constituiria, ao mesmo tempo, no alicerce e na cúpula da
universidade.
Assim concebida, a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras se destinava ao cultivo do saber
desinteressado em que "a ciência pela ciência era a regra e o espírito de
pesquisa e investigação seria o princípio norteador de todos os trabalhos"
(Fávero, 2000, p.60). Distanciava-se claramente, portanto, do caráter
"utilitário e pragmático" atribuído à Faculdade de Educação, Ciências
e Letras. Com efeito, na estrutura da USP, o espaço da educação não se
encontrava na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, mas no Instituto de
Educação, que se constituiu por incorporação da Escola de Professores do antigo
Instituto "Caetano de Campos" (Decreto 6.283/34. Em: Fávero, 2000,
p.211).
Portanto, o Instituto
de Educação tinha um caráter de formação profissional (a formação de
professores para as escolas normais e secundárias) do mesmo modo que os demais
institutos ou faculdades. Portanto, seus alunos também deveriam passar pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras já que "lá os estudantes
estudariam as matérias fundamentais de todos os cursos (matemática, física,
química, biologia, estatística, economia e outras), após o que se encaminhariam
para as faculdades propriamente profissionais" (Cunha, 1986, p.270).
O papel atribuído à
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras pelos fundadores da USP se ligava ao
objetivo de formação de uma elite dirigente respaldada nos conhecimentos
científicos. Mas a sua implantação esbarrou na resistência das faculdades
profissionalizantes que não aceitavam a centralização das disciplinas básicas
na nova faculdade. Assim, a partir de 1938 também ela veio a se tornar, como as
demais, uma escola profissional com o objetivo de formar professores para o
ensino médio. É nesse contexto que, pelo Decreto 9.269, de 1938, extinguiu-se o
Instituto de Educação que foi absorvido pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras como seção de Educação.
UM MODELO ALTERNATIVO
É ENSAIADO
A conquista de um
espaço acadêmico para a pedagogia se beneficiou do processo de organização do
campo educacional que se desencadeou na década de 1920, impulsionado pelo
movimento renovador. A organização do campo educacional implicava a
profissionalização da atividade dos educadores. E a profissionalização, por sua
vez, implicava uma formação específica, o que se iniciou com a criação de
escolas normais para a formação de professores primários. Colocava-se, porém, a
questão da formação dos professores das escolas normais e do ensino secundário
em seu conjunto, o que acabou por pôr a exigência de se abrir espaço para os
estudos pedagógicos em nível superior.
Por outro lado, o
movimento renovador não apenas deu maior visibilidade às críticas dirigidas às
escolas normais, mas se empenhou em oferecer um novo modelo que corrigisse as
insuficiências e distorções do modelo então vigente.
Provavelmente onde as
novas idéias assumiram uma formulação mais orgânica e conseqüente,
encarnando-se numa experiência prática, foi na gestão de Anísio Teixeira como
Diretor Geral de Instrução do então Distrito Federal. Na Exposição de Motivos
do Decreto 3.810, de 19 de março de 1932, Anísio Teixeira deixa clara a
intenção de erradicar aquilo que ele considerava como o "vício de
constituição" das escolas normais que, "pretendendo ser, ao mesmo
tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam
lamentavelmente nos dois objetivos" (Vidal, 2001, p.79-80). E em outro
texto denominado "Como ajustar os 'cursos de matérias' na escola normal
com os 'cursos de prática de ensino'", indicava o caminho a seguir: "Se
a 'escola normal' for realmente uma instituição de preparo profissional do
mestre, todos os seus cursos deverão possuir o caráter específico que lhes
determinará a profissão do magistério" (Vidal, 2001, p.80).
Guiando-se por essa
concepção Anísio traçou o programa ideal que deveria ser implantado nas
escolas normais, compreendendo:
"A) Cursos de
fundamentos profissionais - em que se devem incluir os que oferecem
conhecimentos gerais e preliminares para a atividade educativa, como biologia
educacional, sociologia educacional etc.; B) Cursos específicos de conteúdo
profissional - em que se devem incluir todos os que fornecem o material e
conteúdo propriamente ditos do tipo especial de ensino, a que se destina o
estudante - como os cursos de matérias de ensino, em geral, ou da matéria de
ensino especializada; C) Cursos de
integração profissional - em que se incluem todos os cursos de
técnica educativa ou de filosofia ou cultura geral educativa, que ministram os
elementos científicos dos métodos, a sua prática e, ainda, a cultura geral
relativa à profissão, como os cursos de psicologia educacional, de testes e
medidas, de administração, de técnicas de ensino, de filosofia e história da
educação e de observação, participação e prática de ensino" (Vidal,
2001, p.81-82).
Após essa citação
Diana Vidal acrescenta:
"A constituição
da Escola de Professores do Instituto de Educação era exemplo prático de
observância do modelo ideal. No primeiro ano geral do curso, estudavam-se:
Biologia Educacional, Psicologia Educacional, Sociologia Educacional, História
da Educação, Introdução ao Ensino - Princípios e Técnicas, Matérias de Ensino
(Cálculo, Leitura e Linguagem, Literatura Infantil, Estudos Sociais, Ciências
Naturais) e Prática de Ensino (observação, experimentação e participação)" (Vidal, 2001, p.82).
Com uma estrutura de
apoio que envolvia Jardim de Infância, Escola Primária, Escola Secundária, que
funcionavam como "campo de experimentação, demonstração e prática de
ensino aos cursos da Escola de Professores", um Instituto de Pesquisas
Educacionais, Biblioteca Central de Educação, Bibliotecas escolares, Filmoteca,
Museus Escolares e Radiodifusão, e tendo como diretor Lourenço Filho, a Escola
Normal, agora transformada em Escola de Professores, se empenhou em pôr em prática
o modelo ideal acima descrito. Em 1935, com a criação da Universidade do
Distrito Federal, também por iniciativa de Anísio Teixeira, a Escola de
Professores a ela foi incorporada com o nome de Escola de Educação.
A Universidade do
Distrito Federal foi instituída pelo Decreto n. 5.513, de 04 de abril de 1935,
tendo como um de seus fins, "prover a formação do magistério, em todos
os seus graus". Entre seus órgãos constitutivos figuravam o Instituto de
Educação e "instituições complementares para experimentação pedagógica,
prática de ensino, pesquisa e difusão cultural". No texto do Decreto o
Instituto de Educação é assim descrito:
"O Instituto
de Educação que tem por fim prover formação do magistério e concorrer, como
centro de documentação e pesquisa, para a formação de uma cultura pedagógica
nacional, fica diretamente incorporado à Universidade pela sua atual Escola de
Professores, que passa a denominar-se Escola de Educação, mantidos os objetivos
estabelecidos pelo Decreto n. 3.810, de 19 de março de 1932" (Fávero,
2000, p.235).
As instituições
complementares eram as seguintes: a) a Biblioteca Central de Educação; b) a
Escola-Rádio; c) a Escola Secundária do Instituto de Educação; d) a Escola
Elementar do Instituto de Educação; e) o Jardim de Infância do Instituto de
Educação; f) uma escola secundária técnica; g) uma escola elementar
experimental; h) uma escola maternal experimental; i) laboratórios e clínicas
dos hospitais do Distrito Federal (Fávero, 2000, p.235-236). Com exceção da
alínea i, todas essas instituições estavam diretamente referidas aos estudos
educacionais, configurando aquilo que estou chamando de "espaço acadêmico
da pedagogia". Eis porque a Universidade do Distrito Federal foi
considerada como "universidade de educação" (Mendonça, 2002, p.35).
Mas, ainda em 1935,
Anísio Teixeira, "perseguido pelo governo Vargas, acusado de professar
idéias comunistas, deixava a Instrução Pública carioca" (Vidal, 2001,
p.20). Nesse clima desfavorável "a recém-criada universidade sofreu grave
revés" (Fávero, 2000, p.72), resultando, na expressão de Maria de Lourdes
Fávero, na "utopia vetada". O veto se consumou com o Decreto n. 1063
de 20 de janeiro de 1939 que extinguiu essa universidade incorporando seus
cursos à Universidade do Brasil que havia sido organizada pela Lei n. 452, de 5
de julho de 1937 por iniciativa do ministro da educação, Gustavo Capanema, um
dos principais opositores de Anísio Teixeira e de sua "universidade de
educação".
Na verdade a
Universidade do Brasil resultou da reorganização da Universidade do Rio de
Janeiro vindo, depois, a se configurar como a atual Universidade Federal do Rio
de Janeiro. A estrutura da Universidade do Brasil, pensada como modelo padrão
para todo o país, previa a existência de quinze faculdades, todas adjetivadas
de "nacional". As duas primeiras da lista eram a Faculdade Nacional
de Filosofia, Ciências e Letras e a Faculdade Nacional de Educação. Mas, a
partir de 1939, a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil, assim como
aquela da USP, acentuou sua característica profissionalizante prevalecendo,
portanto, o espírito "utilitário e pragmático" que Francisco Campos
atribuíra à Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Quanto à Faculdade
Nacional de Educação, embora prevista em lei, não chegou a ser implantada.
O CURSO DE PEDAGOGIA
Como modelo padrão, a
Universidade do Brasil determinou a organização do ensino superior no país
durante todo o período que vai de 1940 a 1968, quando é aprovada a Lei 5.540/68,
conhecida como lei da reforma universitária. A concepção que orientou a
estrutura dessa universidade se contrapõe tanto à idéia inicial que presidiu à
proposta de criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP,
quanto, principalmente, à Universidade do Distrito Federal. Enquanto nesta a
formação profissional é ancorada no desenvolvimento de estudos e pesquisas e na
observação e exercício prático das escolas-laboratório, naquela separa-se o
profissional do cientista, deslocando-se o eixo das atividades universitárias
para a formação profissional.
Compreende-se, assim,
a razão de uma medida que, à primeira vista pareceria surpreendente, a saber, o
teor do parágrafo único do artigo primeiro do Decreto que extinguiu a
Universidade do Distrito Federal, incorporando-a à Universidade do Brasil. Eis,
para maior clareza, a transcrição desse dispositivo do Decreto 1.063, de 20 de
janeiro de 1939:
"Art. 1º
- Ficam incorporadas à Universidade do Brasil as instituições educativas e
culturais que compõem a Universidade do Distrito Federal. Parágrafo único.
Fica excluído das instituições de que trata este artigo o Instituto de
Educação, com suas escolas secundária, primária e pré-primária"
(Mendonça, 2002, p.114).
De fato, à primeira
vista soa estranho esse parágrafo único. Com efeito, se o "caput" do
artigo determina a incorporação das instituições educativas e culturais,
como excluir exatamente os órgãos tipicamente educativos que constituíam o
aspecto mais saliente, inovador e de maior envergadura da instituição que
estava sendo incorporada? Mas essa estranheza se desvanece quando constata-se
que, conforme explicitado pelo ministro Capanema, a Faculdade Nacional de
Filosofia foi definida como "o estabelecimento federal padrão do ensino
destinado à preparação do magistério secundário" (Mendonça, 2002, p.156),
desempenhando um papel orientador e disciplinador da cultura do país. Como,
nessa visão, o preparo de professores assumia o caráter de simples formação
profissional, desvinculada do desenvolvimento de pesquisa, resultavam
desnecessários aqueles órgãos cuja presença na universidade se justificava
exatamente em função do objetivo de imprimir caráter científico ao processo de
formação dos professores.
Pelo Decreto n.
1.190, de abril de 1939, a
Faculdade Nacional de Filosofia foi estruturada em quatro seções: Filosofia,
Ciências, Letras e Pedagogia acrescentando, ainda, a de Didática, considerada
como "seção especial". Enquanto as seções de Filosofia, Ciências e
Letras albergavam, cada uma, diferentes cursos, a de Pedagogia, assim como a
seção especial de Didática, era constituída de apenas um curso cujo nome era
idêntico ao da seção. Está aí a origem do Curso de Pedagogia.
Todos os cursos da
Faculdade Nacional de Filosofia e, dado o seu caráter de modelo padrão, também
das demais faculdades de filosofia, ciências e letras instaladas no país, se
organizaram em duas modalidades: o bacharelado, com a duração de três anos, e a
licenciatura. O curso de pedagogia foi definido como um curso de bacharelado ao
lado de todos os outros cursos das demais seções da faculdade. O diploma de
licenciado seria obtido por meio do curso de didática, com a duração de uma
ano, acrescentado ao bacharelado. Está aí a origem do famoso esquema conhecido
como "3+1".
Foram definidos, para
todos os cursos, os respectivos currículos plenos. Para o Curso de Pedagogia
foi previsto o seguinte currículo:
1º ano: Complementos
de matemática; História da filosofia; Sociologia; Fundamentos biológicos da
educação; Psicologia educacional.
2º ano: Psicologia
educacional; Estatística educacional; História da educação; Fundamentos
sociológicos da educação; Administração escolar.
3º ano: Psicologia
educacional; História da educação; Administração escolar; Educação comparada;
Filosofia da educação.
Vê-se, pelo quadro
acima, que psicologia educacional se destaca, pois é a única disciplina que
figura em todas as séries. Em seguida posicionam-se história da educação e
administração escolar, figurando em duas séries. Às demais disciplinas
reservou-se apenas um ano de estudo.
O Curso de Didática,
com duração de um ano, se compunha das seguintes disciplinas: Didática geral;
Didática especial; Psicologia educacional; Fundamentos biológicos da educação;
Fundamentos sociológicos da educação; Administração escolar. Assim, no caso do
bacharel em pedagogia, para obter o título de licenciado, bastava cursar
Didática geral e Didática especial, uma vez que as demais já faziam parte de
seu currículo de bacharelado.
Pelos nomes das
disciplinas nota-se, na organização formal, uma certa influência do ideário da
Escola Nova. No entanto, como já se indicou ao se mostrar as diferenças entre
os projetos da Universidade do Distrito Federal e da Universidade do Brasil,
essa organização distancia-se do espírito que impregnava aquele ideário.
Ao instituir um
currículo pleno fechado para o curso de pedagogia, em homologia com os cursos
das áreas de filosofia, ciências e letras e não os vinculando aos processos de
investigação sobre os temas e problemas da educação, o modelo implantado com o
Decreto l.190, em lugar de abrir caminho para o desenvolvimento de estudos e
pesquisas educacionais, acabou por enclausurar-se numa solução que se supôs
universalmente válida, agravando progressivamente os problemas que se recusou a
enfrentar. Com efeito, supondo que o perfil profissional do pedagogo já estaria
definido, concebeu um currículo que formaria o bacharel em pedagogia entendido
como o técnico em educação que, ao cursar didática geral e especial, se
licenciaria como professor. Mas, quais seriam as funções técnicas próprias do
pedagogo? Em que medida o currículo proposto para o bacharelado daria conta de
formar esse técnico? E o licenciado em pedagogia poderia lecionar que matérias?
Por suposto, as matérias constantes de seu currículo de bacharelado, como
ocorria com os cursos das seções de filosofia, ciências e letras. No entanto,
se no caso das demais seções as disciplinas cursadas figuravam no currículo das
escolas secundárias, no caso da pedagogia a Lei Orgânica do Ensino Normal
dispôs um currículo em que predominavam as matérias de cultura geral sobre as
de formação profissional, e, além disso, essa mesma Lei determinava que, para
lecionar no curso normal, "era suficiente, em regra, o diploma de ensino
superior" (Silva, 2003, p.14).
Essa estrutura prevaleceu
até 1961 quando foi aprovada a Lei n. 4.024, que se constituiu na primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Mas, paralelamente, o campo da
educação foi se desenvolvendo. A criação, em 1938, do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, o INEP, hoje Instituto de Estudos e Pesquisas
Educacionais, a fundação da CAPES, Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, em 1951, e do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, em
1955, articulando os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (Xavier,
1999), são espaços que mantiveram oxigenado o campo educacional, tendo reflexos
positivos no espaço acadêmico da pedagogia.
Uma nova
regulamentação do Curso de Pedagogia decorreu do Parecer 251, elaborado por
Valnir Chagas e aprovado pelo Conselho Federal de Educação em 1962.
A duração do curso
foi definida em quatro anos, englobando o bacharelado e a licenciatura
correspondendo, portanto, à duração anterior. A diferença fica por conta de uma
certa flexibilidade, uma vez que as disciplinas de licenciatura poderiam ser
cursadas concomitantemente com o bacharelado, não sendo necessário esperar o
quarto ano. Com essa nova regulamentação deixava de vigorar, ao menos
formalmente, o esquema "3+1".
No que se refere ao
currículo foi mantido o caráter generalista, isto é, não foram, ainda,
introduzidas as habilitações técnicas. O rol de disciplinas sofreu algumas
alterações não, porém, em aspectos substantivos. Diferentemente da
regulamentação anterior, não se fechou a grade curricular com a distribuição
das disciplinas pelas quatro séries do curso. Essa tarefa foi deixada para as
instituições.
O currículo da
Licenciatura se compunha das seguintes matérias: Psicologia da educação:
adolescência e aprendizagem; Elementos de administração escolar; Didática;
Prática de ensino. Considerando-se a revogação do esquema "3+1", a
prática que se generalizou foi a de cursar Psicologia educacional, Didática e
Elementos de administração escolar na segunda e terceira séries do curso,
deixando-se Prática de ensino para a quarta série. Quanto ao curso de
pedagogia, como já constavam de seu currículo Psicologia educacional e
Administração escolar, para obter o título de licenciado bastava aos alunos
cursar Didática e Prática de ensino.
Conforme o
entendimento de Carmen da Silva, os legisladores regulamentaram o curso de
pedagogia começando por onde deveriam terminar: "fixaram o currículo
mínimo visando à formação de um profissional ao qual se referem vagamente e sem
considerar a existência ou não de um campo de trabalho que o demandasse"
(Silva, 2003, p.17).
Mas o campo
educacional continuou se movendo. A década de 1960 foi uma época de intensa
experimentação educativa. Além dos colégios de aplicação que se consolidaram
nesse período (Warde. Em Garcia, 1980, p.101-131), surgiram os ginásios
vocacionais (Ribeiro. Em Garcia, 1980, p.132-149), deu-se grande impulso à
renovação do ensino de matemática (Montejunas. Em Garcia, 1980, p.150-163) e de
ciências (Krasilchik. Em Garcia, 1980, p.164-180), colocando em ebulição o espaço
acadêmico da pedagogia. Essa década, contudo, assinala também o esgotamento do
modelo renovador, evidenciado pelo encerramento, no final dos anos 60, das
experiências mencionadas e pelo fechamento do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais e dos Centros Regionais a ele ligados.
A entrada em vigor da
lei da reforma universitária no final de 1968, ensejou uma nova regulamentação
do Curso de Pedagogia, levada a efeito pelo Parecer 252/69, também de autoria
de Valnir Chagas. Ele situa o tema referindo-se aos antecedentes da questão,
esclarece as razões das opções adotadas e apresenta, em anexo, o anteprojeto de
Resolução, cujo artigo primeiro ficou assim redigido:
"Art. 1º - A
formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades
de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito de escolas e
sistemas escolares, será feita no curso de graduação em Pedagogia, de que
resultará o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação."
(BRASIL, CFE, 1969, p.113).
Quanto ao currículo a
parte comum permaneceu com a mesma composição definida no Parecer 251/62,
apenas a ela se acrescentando a matéria Didática. As habilitações previstas e
respectivas matérias específicas foram as seguintes:
1. Orientação
Educacional: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau; Estrutura e
Funcionamento do Ensino de 2º Grau; Princípios e Métodos de Orientação
Educacional; Orientação Vocacional; Medidas Educacionais.
2. Administração
Escolar, para exercício nas escolas de 1º e 2º graus: Estrutura e Funcionamento
do Ensino de 1º Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau;
Princípios e Métodos de Administração Escolar; Estatística Aplicada à Educação.
3. Supervisão
Escolar, para exercício nas escolas de 1º e 2º graus: Estrutura e Funcionamento
do Ensino de 1º Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau;
Princípios e Métodos de Supervisão Escolar; Currículos e Programas.
4. Inspeção Escolar,
para exercício nas escolas de 1º e 2º graus: Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 1º Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau; Princípios e
Métodos de Inspeção Escolar; Legislação do Ensino.
5. Ensino das
disciplinas e atividades práticas dos cursos normais: Estrutura e Funcionamento
do Ensino de 1º Grau; Metodologia do Ensino de 1º Grau; Prática de Ensino na
Escola de 1º Grau (estágio).
6. Administração
Escolar, para exercício na escola de 1º grau: Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 1º Grau; Administração da Escola de 1º Grau; Estatística Aplicada à
Educação.
7. Supervisão
Escolar, para exercício na escola de 1º grau: Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 1º Grau; Supervisão da Escola de 1º Grau; Currículos e Programas.
8. Inspeção Escolar,
para exercício na escola de 1º grau: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º
Grau; Inspeção da Escola de 1º Grau; Legislação do Ensino.
Quanto à duração do
curso, deve-se observar que a reforma do ensino superior decorrente da Lei 5.540/68
e do Decreto-Lei 464, de 11 de fevereiro de 1969 eliminou o regime seriado
introduzindo a matrícula por disciplina e o regime de créditos, o que foi
implementado na forma de disciplinas semestrais, além de distinguir entre
cursos de curta duração e de longa duração. Assim, o artigo quarto da Resolução
estabeleceu que as habilitações numeradas de 1 a 5 teriam a duração mínima
de duas mil e duzentas horas, devendo ser ministradas no mínimo em três e no
máximo em sete anos letivos. Trata-se das habilitações que abrangem atividades
nas escolas de primeiro e de segundo graus que, por esse motivo, seriam
desenvolvidas em cursos de longa duração. Já no caso das habilitações numeradas
de 6 a 8,
que se dirigem apenas às escolas de 1º grau, estipulou-se a duração de mil e
cem horas de atividades a serem ministradas no mínimo em um ano e meio e no
máximo em quatro anos letivos configurando-se, portanto, como cursos de curta
duração.
O artigo quinto abre
a possibilidade de se organizar "habilitações específicas no Curso de
Pedagogia, para o exercício de funções técnicas ou de assessoria" (p.115)
tomando-se como objeto: a) as matérias da parte comum, exceto Sociologia Geral;
b) as seguintes matérias da parte diversificada: Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 1º Grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, Estrutura e
Funcionamento do Ensino Superior, Estatística Aplicada à Educação, Legislação
do Ensino, Medidas Educacionais, Currículos e Programas; c) "outras
matérias e atividades pedagógicas incluídas nos planos das instituições de
ensino superior". Em relação a este último item a Resolução não faz
nenhuma especificação, mas o Parecer lista, à guisa de exemplo, as seguintes
matérias: Economia da Educação; Antropologia Pedagógica; Educação Comparada;
Técnicas Audiovisuais de Educação; Rádio e Televisão Educativa; Ensino
Programado; Educação de Adultos; Educação de Excepcionais; Clínica de Leitura;
Clínica da Voz e da Fala; Higiene Escolar; Métodos e Técnicas de Pesquisa
Pedagógica; etc.
O caput do artigo sexto
determina a obrigatoriedade de realização de estágio supervisionado
correspondente à prática das várias habilitações atingindo pelo menos 5% da
duração do curso, em cada caso. E o parágrafo único desse artigo exige, além do
estágio, experiência de magistério para as habilitações em Orientação Educacional ,
Administração Escolar e Supervisão Escolar, não especificando o tempo de
duração nem o momento em que essa experiência deveria ocorrer. Mas, pelo
Parecer n.867/72, de 11 de agosto de 1972, Valnir Chagas corrige essa lacuna
determinando a exigência de experiência de magistério "anterior ao
ingresso no curso ou à obtenção do diploma, com duração não inferior a um ano
letivo, no caso de Orientação Educacional, e a um semestre letivo nos demais
casos" (BRASIL - CFE, 1972, p.340).
Essa regulamentação,
não obstante algumas tentativas de modificação, permaneceu em vigor até a
aprovação da nova LDB em 20 de dezembro de 1996. Seu aspecto mais
característico foi a introdução das habilitações visando formar "especialistas"
em orientação educacional, administração escolar, supervisão escolar e inspeção
escolar, além do professor para o ensino normal. Por esse caminho se pretendeu
superar o caráter generalista do curso procurando privilegiar a formação de
técnicos com funções supostamente bem especificadas no âmbito das escolas e
sistemas de ensino que configurariam um mercado de trabalho também supostamente
já bem constituído demandando, em conseqüência, os profissionais com uma
formação específica que seria suprida pelo curso de pedagogia então
reestruturado exatamente para atender a essa demanda.
Entretanto, a dupla
suposição se revelou inconsistente. Nem as funções correspondentes aos
mencionados "especialistas" estavam bem caracterizadas, nem se
poderia dar como constituído um mercado de trabalho demandando aqueles
profissionais. E também não se logrou superar o caráter generalista. Na
verdade, se pretendeu continuar formando o generalista, pela parte comum do
currículo e, pela parte diversificada, formar também o especialista. E ambas as
coisas num mesmo curso de graduação e, mais grave ainda, admitida a
possibilidade de se fazer isso em cursos de curta duração. Poder-se-ia pois,
"mutatis mutandis", aplicar a essa regulamentação a mesma crítica que
Anísio Teixeira havia dirigido às escolas normais da década de 1930: pretendendo
ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional,
falhavam lamentavelmente nos dois objetivos.
Ao que parece o
problema do encaminhamento que se deu à questão do curso de pedagogia reside
numa concepção que subordina a educação à lógica de mercado. Assim, a formação
ministrada nas escolas deveria servir à produtividade social, ajustando-se às
demandas de mão-de-obra que, por sua vez, são determinadas pelas leis que regem
uma sociedade de mercado como esta em que se vive. Nessas circunstâncias, a
questão educativa é reduzida dominantemente à sua dimensão técnica,
afastando-se o seu caráter de arte e secundarizando, também, as exigências de
embasamento científico. Daí a pretensão de formar os especialistas em educação
por meio de algumas poucas regras compendiadas externamente e transmitidas
mecanicamente, articuladas com o treinamento para a sua aplicação nas escolas.
Eis porque se considerou como suficientes as matérias "estrutura e
funcionamento do ensino" e "princípios e métodos", seguidas de
uma outra de algum modo relacionada com a "especialidade" em
referência: "legislação do ensino" para inspeção,
"estatística" para administração, "currículos e programas"
para supervisão e "orientação vocacional" e "medidas
educacionais", para orientação. Supõe-se, portanto, que a escola já está
devidamente organizada e o ensino funcionando dentro de parâmetros adequados
cabendo ao especialista inserir-se nela para garantir-lhe a eficiência por meio
de uma racionalidade técnica que maximize sua produtividade. Trata-se, em suma,
daquilo que passei a denominar de "concepção produtivista de
educação" que, impulsionada pela "teoria do capital humano"
formulada nos anos 50 do século XX, se tornou dominante em nosso país a partir
do final da década de 1960 permanecendo hegemônica até os dias de hoje.
ESTUDOS SUPERIORES DE
EDUCAÇÃO
Aprovada a Lei n.
5.692/71, Valnir Chagas se dedicou à tarefa de regular todo o sistema de ensino
de acordo com a nova legislação. Elaborou e fez aprovar no CFE um conjunto de
oito Indicações que cobrem praticamente todo o espectro da formação de
professores, desde as licenciaturas da área de educação geral abrangendo os
cursos de Ciências (Matemática, Física, Química, Biologia), de Estudos Sociais
(Geografia, História, Organização Social e Política do Brasil, Educação moral e
Cívica), Letras (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Língua
Clássica, com os necessários estudos literários), Educação Artística (Música,
Artes Plásticas, Desenho, Artes Cênicas) e Educação Física (Ginástica e
Atletismo, Técnica Desportiva, Recreação), passando pela formação pedagógica
das licenciaturas, pelo preparo de especialistas em educação até a formação de
professores para educação especial (Chagas, 1976).
Esse conjunto de
medidas teria o significado de substituir o "curso de pedagogia", que
sugeria uma visão restrita, pelos "estudos superiores de educação",
categoria bem mais ampla e pretensamente completa.
Entre as medidas propostas
figura a Indicação 70 que previa "o preparo de especialistas em Educação e
de professores para o ensino pedagógico de 2º grau, assim como do pedagogo em
geral" num curso organizado na forma de "habilitações acrescentadas a
cursos de licenciatura" (Chagas, 1976, p.133).
A novidade dessa
proposta reside, conforme o slogan lançado pelo autor ("formar o
especialista no professor"), no fato de que a formação preconizada
pressupõe destinatários já licenciados, o que a situaria no âmbito da
pós-graduação "lato sensu". Entretanto, o autor, talvez para poder
abarcar também a "solução transitória" dos que têm apenas formação de
2º grau, a situa na própria graduação, como habilitações que se acrescentam a
uma licenciatura anterior.
Quanto ao conteúdo,
não é muito diferente do que foi disposto no Parecer 252/69. Apenas foram
feitos os ajustes necessários à nova situação. Assim, nas disciplinas da base
comum, não consta Psicologia Educacional porque ela já teria sido cursada na
licenciatura anterior. As habilitações sofrem um novo arranjo, seja pela
supressão da "Inspeção" que foi absorvida no interior da
"Administração", seja pelo conteúdo interno a cada uma delas, seja,
ainda, porque a proposta admite três possibilidades: a) a organização de três
habilitações correspondentes a Administração, Supervisão e Orientação (esquema
triplo); b) a organização de duas habilitações, uma delas sendo chamada de
"dupla" porque abarca Supervisão e Orientação, ao lado da
Administração (esquema duplo); c) a reunião das três funções em uma habilitação
polivalente em Educação (esquema único). Em qualquer das hipóteses exige-se
experiência profissional prévia no magistério com a duração mínima de dois
anos.
Na Indicação aparece
também uma referência ao "pedagogo em geral", cujo nível natural
de cultivo seria o da pós-graduação.
Fica claro, portanto,
que, na concepção do autor tenderia a não haver mesmo espaço para o Curso de
Pedagogia.
A Indicação referida
chegou a ser homologada mas, diante das dúvidas suscitadas e das pressões
contrárias, sua entrada em vigor foi sustada, prevalecendo, até a aprovação da
nova LDB, a estrutura prevista no Parecer 252/69. Segundo Iria Brzezinski, o "pacote"
de Indicações estimulou o movimento dos educadores que "era contra as
possíveis mudanças que, em sua essência, propugnavam a extinção do curso de
pedagogia e descaracterizavam ainda mais a profissão de pedagogo, que
paulatinamente seria extinta" (Brzezinski, 2002, p.82).
O movimento dos
educadores em torno da formação dos profissionais da educação começou a se
articular no final da década de 1970 e se materializou com a criação, em 1980,
do "Comitê Pró Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e
Licenciatura". O Comitê se organizou na forma de comissões regionais,
transformou-se, em 1983, em Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de
Formação de Educadores (CONARCFE) que, por sua vez, em 1990, se constituiu na
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) que
continua em atividade.
Essa mobilização foi
importante para manter vivo o debate, articular e socializar as experiências
que se realizaram em diferentes instituições, manter a vigilância sobre as
medidas de política educacional, explicitar as aspirações, reivindicações e
perplexidades e buscar algum grau de consenso na direção da solução do
problema. Em termos concretos emergiram do movimento duas idéias-força. A
primeira se traduz no entendimento de que a docência é o eixo sobre o qual se
apóia a formação do educador. A partir dessa idéia prevaleceu entre as
instituições a tendência a organizar o curso de pedagogia em torno da formação
de professores, seja para a habilitação magistério, em nível de 2º grau, seja,
principalmente para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental. A segunda
idéia se expressa na "base comum nacional". Em vários dos eventos
realizados essa idéia foi retomada sendo explicitada mais pela negação do que
pela afirmação. Foi se fixando o entendimento que "base comum
nacional" não coincide com a parte comum do currículo nem com a idéia de
currículo mínimo. Seria, antes, um princípio que deveria inspirar e orientar a
organização dos cursos de formação de educadores em todo o país. Seu conteúdo
não poderia ser fixado por um intelectual de destaque, por um órgão de governo
e nem mesmo por decisão de uma eventual assembléia de educadores mas deveria
fluir das análises, dos debates e das experiências que fossem encetadas
possibilitando, progressivamente, chegar a um consenso em torno dos elementos
fundamentais da formação do educador consciente e crítico, capaz de contribuir
na transformação da sociedade brasileira.
Nesse período, de
1970 em diante, já não se assiste à busca de bases científicas à prática
pedagógica como ocorreu no primeiro momento com o INEP, CBPE e CRPEs e, no
segundo momento, com as escolas de aplicação, classes experimentais e ginásios
vocacionais. Em contrapartida, instalam-se os Programas de Pós-Graduação em
Educação, ampliando significativamente o espaço acadêmico da pedagogia. Isto se
deu pela aproximação com as áreas afins das ciências humanas, consolidando-se o
lugar da educação nesse âmbito na medida, porém, em que se afastava, por assim
dizer, da pedagogia enquanto teoria e prática da educação ou, dizendo de outro
modo, enquanto ciência da e para a prática educativa. Assim, enquanto os
Programas de Pós-Graduação em Educação demonstravam toda sua pujança, o Curso
de Pedagogia definhava e se debatia em uma crise de tal profundidade que
projeta a impressão de que jamais conseguirá dela sair. Um novo componente
dessa crise se manifesta, na situação atual, com a controvérsia ligada às
alternativas dos Institutos Superiores de Educação e Escolas Normais Superiores
introduzidas pela nova LDB.
CONCLUSÃO
Pela trajetória
traçada pode-se ver que, a partir da década de 1930, a pedagogia ocupou um
espaço permanente na estrutura do ensino superior. Entretanto, com exceção do
breve ensaio da Universidade do Distrito Federal, esse espaço limitou-se à
formação profissional não se configurando como um espaço propriamente
investigativo, o que resultou num ensino as mais das vezes precário e pouco
consistente sob o aspecto da sua fundamentação teórico-científica. Assim, a
área pedagógica foi objeto de um certo estigma, reforçado pelo baixo status
social da profissão docente. Com o advento da pós-graduação, a área de educação
tendeu a se firmar, assegurando o seu espaço acadêmico diante das outras áreas
ao preço, porém, de elidir tanto a terminologia como a problemática própria da
pedagogia.
Schmied-Kowarzik
ressalta no prefácio do livro "Pedagogia dialética" que se tornou
comum buscar nas ciências próximas questões e posições teóricas para aplicá-las
a problemas pedagógicos "em vez de continuar a desenvolver a tradição
teórica e científica própria, tantas vezes negada, confrontando-a com questões
e exigências novas", quando a pedagogia é "justamente uma das
ciências práticas mais ricas em tradição (Schmied-Kowarzik, 1983, p.7).
Ao tratar da
"pedagogia como ciência prática" mostra que "a relação entre
teoria e prática é a mais fundamental da pedagogia". Indica os campos em
que essa relação se manifesta para considerar que à primeira vista ela parece
bastante simples, resumindo-se na reciprocidade entre os dois pólos que a
constituem, mas observa que se trata de uma relação complexa, sendo
"preciso lembrar que, além da pedagogia, nenhuma outra das ciências
'burguesas' tradicionais ensinadas atualmente nas universidades conhece este
problema da mediação entre teoria e prática", como mostram os casos do
direito, da teologia e da medicina. Em relação ao direito e à teologia não
acontece o problema da mediação entre teoria e prática porque elas "não
requerem nenhuma investigação da prática, podendo partir de proposições
normativas ou de sentido, simplesmente desenvolvidas na prática de acordo com
as normas e com habilidade técnica". Também no caso da medicina não
aparece o referido problema porque a ela basta "traduzir na prática de modo
técnico-artesanal os conhecimentos que tem das doenças e do seu combate, sob a
égide da finalidade determinada da cura" (Schmied-Kowarzik, 1983, p.11). E
conclui:
"Caso a
pedagogia perdesse de vista inteiramente a sua dialética constitutiva entre
teoria e prática, ou aconteceria com ela o mesmo que ocorreu à ciência
política, outrora também uma ciência prática, que perdeu qualquer capacidade de
influir na práxis política enquanto ciência do conhecimento histórico e
sociológico ou ciência expositiva jurídica, ou então - o que é mais provável -
se tornaria, como a medicina, uma ciência profissional pragmática do professor,
mera transmissora de conhecimentos para o domínio das aptidões técnicas e
artesanais da orientação do ensino, submetida a objetivos determinados politicamente." (Schmied-Kowarzik, 1983, p.12).
Esse alerta resulta
importante, pois é possível notar que o tratamento dado à questão pedagógica,
desde o Decreto-Lei 1.190 de 1939 passando pelas Indicações de Valnir Chagas em
1975, até a nova LDB com os Institutos Superiores de Educação e as Escolas
Normais Superiores, tendeu a reduzir a pedagogia a "uma ciência
profissional pragmática do professor, mera transmissora de conhecimentos para o
domínio das aptidões técnicas e artesanais da orientação do ensino".
Parece, então, que o
caminho a percorrer começa pelo resgate da longa e rica tradição da pedagogia
buscando explicitar, no conjunto de suas determinações, a relação íntima que
mantém com a educação enquanto prática da qual se origina e à qual se destina.
Para realizar esse itinerário supõe-se necessário retomar as principais
concepções de educação de modo a sistematizar, a partir delas, os principais
conceitos constitutivos da pedagogia. Com esse propósito a continuidade da
investigação da qual se originou este trabalho deverá articular a abordagem
histórica com a perspectiva teórica do problema em estudo.
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