ORGANIZAR
E DIRIGIR SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM
Por
que apresentar como uma nova competência a capacidade de organizar e de dirigir
situações de aprendizagem? Ela não estaria no próprio cerne do ofício de
professor?
Tudo
depende, evidentemente, do que se esconde sob as palavras. O ofício de
professor foi, por muito tempo, assimilado à aula magistral seguida de
exercícios. A figura do Magister lembra aquela de Discípulo, que
"bebe suas palavras" e nunca pára de se formar em contato com ele,
elaborando posteriormente seu pensamento. Escutar uma lição, fazer exercícios
ou estudar em um livro podem ser atividades de aprendizagem. Conseqüentemente,
o professor mais tradicional pode pretender organizar e dirigir tais situações,
mais ou menos como M. Jourdin fazia prosa, sem saber, ou mais exatamente, sem
dar importância a isso. A própria idéia de situação de aprendizagem não
apresenta nenhum interesse para aqueles que pensam que se vai à escola para
aprender e que todas as situações servem supostamente a esse desígnio. Desse
ponto de vista, insistir nas "situações de aprendizagem" nada
acrescenta à visão clássica do ofício de professor. Essa insistênda pode até
mesmo parecer pedante, como se insistíssemos em dizer que um médico
"concebe e dirige situações terapêuticas" mais do que simplesmente
reconhecer que trata seus pacientes, assim como o mestre instrui seus alunos.
Com exceção daqueles que estão familiarizados com as pedagogias ativas e com os
trabalhos em didática das disciplinas, os professores de hoje não se concebem
espontaneamente como "conceptores-dirigentes de situações de aprendizagem".
Trata-se
de uma simples questão de vocabulário, ou eles têm razões para resistir a uma
maneira de ver que só pode complicar sua vida? Tomemos o exemplo do ensino
universitário de primeiro ciclo, tal como ainda dispensado na maioria dos
países. A aula é dada em um anfiteatro, diante de centenas de rostos anônimos.
Compreenda e aprenda quem puder! O professor poderia por um instante alimentar
a ilusão de que cria, desse modo, para cada um, uma situação de aprendizagem,
definida pela escuta da palestra magistral e pelo trabalho de tomada de notas,
de compreensão e de reflexão que ela supostamente suscita. Se ele refletir,
verá que a padronização aparente da situação é uma ficção e que existem tantas
situações diferentes quantos alunos. Cada um vivencia a aula em função de seu
humor e de sua disponibilidade, do que ouve e compreende, conforme seus
recursos intelectuais, sua capacidade de concentração, o que o interessa, faz
sentido para ele, relaciona-se com outros saberes ou com realidades que lhe são
familiares ou que consegue imaginar. Nesse estágio da reflexão, o professor
terá a sabedoria de suspendê-la, sob pena de avaliar que, na verdade, não sabe
grande coisa a respeito das situações de aprendizagem que cria... Ver-se como
conceptor e dirigente de situações de aprendizagem não deixa de ter riscos:
isso pode levar ao questionamento de sua pertinência e eficácia.
O
sistema educativo construiu-se de cima para baixo. É por isso que as mesmas
constatações valem, até um certo ponto, para o ensino médio e, em menor medida,
para o ensino fundamental. Quando os alunos são crianças ou adolescentes, eles
são menos numerosos e o ensino é mais interativo; há mais possibilidades de
exercícios e experiências feitas por eles (e não diante deles).
Entretanto, enquanto praticarem uma pedagogia magistral e pouco diferenciada,
os professores não dominarão verdadeiramente as situações de aprendizagem nas
quais colocam cada um de seus alunos. No máximo, podem velar, usando
meios disciplinares clássicos, para que todos os alunos escutem com atenção e
envolvam-se ativamente, pelo menos em aparência, nas tarefas atribuídas. A
reflexão sobre as situações didáticas começa com a questão de Saint-Onge
(1996): "Eu, ensino, mas eles aprendem?".
Desde
Bourdieu (1966), sabe-se que só aprendem verdadeiramente, por meio dessa
pedagogia, os "herdeiros", aqueles que dispõem dos meios culturais
para tirar proveito de uma formação que se dirige formalmente a todos, na
ilusão da eqüidade, identificada nesse caso pela igualdade de tratamento. Isso
parece evidente hoje em dia. No entanto, foi necessário um século de
escolaridade obrigatória para se começar a questionar esse modelo,
opondo-lhe um modelo mais centrado nos aprendizes, suas representações,
sua atividade, as situações concretas nas quais são mergulhados e seus efeitos
didáticos. Sem dúvida, essa evolução — inacabada e frágil — tem vínculos com a
abertura dos estudos longos a novos públicos, o que obriga a se preocupar com
aqueles para os quais assistir a uma aula magistral e fazer exercícios não é
suficiente para aprender. Há laços estreitos entre a pedagogia diferenciada e a
reflexão sobre as situações de aprendizagem (Meirieu, 1989; 1990).
Na
perspectiva de uma escola mais eficaz para todos, organizar e dirigir situações
de aprendizagem deixou de ser uma maneira ao mesmo tempo banal e complicada de
designar o que fazem espontaneamente todos os professores. Essa linguagem
acentua a vontade de conceber situações didáticas ótimas, inclusive e
principalmente para os alunos que não aprendem ouvindo lições. As situações
assim concebidas distanciam-se dos exercícios clássicos, que apenas exigem a
operacionalização de um procedimento conhecido. Permanecem úteis, mas não são
mais o início e o fim do trabalho em aula, como tampouco a aula magistral,
limitada a funções precisas (Étienne e Lerouge, 1997, p. 64). Organizar e
dirigir situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais
procedimentos. É, sobretudo, despender energia e tempo e dispor das
competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de
situações de aprendizagem, que as didáticas contemporâneas encaram como situações
amplas, abertas, carregadas de sentido e de regulação, as quais requerem
um método de pesquisa, de identificação e de resolução de problemas.
Essa
competência global mobiliza várias competências mais específicas:
.
Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua
tradução em objetivos de aprendizagem.
.
Trabalhar a partir das representações dos alunos.
.
Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem.
.
Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas.
.
Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.
Vamos
analisá-las, uma a uma, lembrando-nos de que todas contribuem para a concepção,
organização e animação de situações de aprendizagem.
CONHECER
PARA DETERMINADA DISCIPLINA, OS CONTEÚDOS A SEREM ENSINADOS E SUA TRADUÇÃO EM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Conhecer
os conteúdos a serem ensinados é a menor das coisas, quando se pretende
instruir alguém. Porém, a verdadeira competência pedagógica não está aí; ela
consiste, de um lado, em relacionar os conteúdos a objetivos e,
de outro, a situações de aprendizagem. Isso não parece necessário,
quando o professor se limita a percorrer, capítulo após capítulo, página após
página, o "texto do saber". Certamente, nesta etapa há transposição
didática (Chevallard, 1991), na medida em que o saber é organizado em
lições sucessivas, conforme um plano e em um ritmo que dêem conta, em
princípio, do nível médio e das aquisições anteriores dos alunos, com momentos
de revisão e de avaliação. Em tal pedagogia, os objetivos são implicitamente
definidos pelos conteúdos: trata-se, em suma, de o aluno assimilar o conteúdo e
de dar provas dessa assimilação durante uma prova oral, escrita ou um exame.
A
preocupação com os objetivos vem à tona durante os anos 60, com a
"pedagogia de domínio", tradução aproximada da expressão inglesa mastery
learning. Bloom (1979), seu criador, defende um ensino orientado por
critérios de domínio, regulado por uma avaliação formativa que leve a
"remediações". Na mesma época (Bloom, 1975), propõe a primeira
"taxonomia dos objetivos pedagógicos", ou seja, uma classificação
completa das aprendizagens visadas na escola.
Nos
países francófonos, essa abordagem foi freqüentemente caricaturada sob o rótulo
de "pedagogia por objetivos". Hameline (1979) descreveu tanto as
virtudes quanto os excessos e os limites do trabalho por objetivos. Huberman
(1988) mostrou que o modelo da pedagogia de domínio permanece pertinente, desde
que ampliado e integrado a abordagens mais construtivistas. Hoje em dia,
ninguém mais pleiteia um ensino guiado a cada passo por objetivos muito
precisos, imediatamente testados com vistas a uma remediação imediata. O ensino
certamente persegue objetivos, mas não de maneira mecânica e obsessiva. Eles
intervêm em três estágios: do planejamento didático, não para ditar situações
de aprendizagem próprias a cada objetivo, mas para identificar os objetivos
trabalhados nas situações em questão, de modo a escolhê-los e dirigi-los com
conhecimento de causa; da análise a posteriori das situações e das
atividades, quando se trata de delimitar o que se desenvolveu realmente e
de modificar a seqüência das atividades propostas; da avaliação, quando se
trata de controlar os conhecimentos adquiridos pelos alunos.
Traduzir
o programa em objetivos de aprendizagem e estes em situações e atividades
realizáveis não é uma atividade linear, que permita honrar cada objetivo
separadamente. Os saberes e o savoir-faire de alto nível são
construídos em situações múltiplas, complexas, cada uma delas dizendo
respeito a vários objetivos, por vezes em várias disciplinas. Para organizar e
dirigir tais situações de aprendizagem, é indispensável que o professor domine
os saberes, que esteja mais de uma lição à frente dos alunos e que seja capaz
de encontrar o essencial sob múltiplas aparências, em contextos variados.
"O
que se concebe bem se enuncia claramente, e as palavras para dizê-lo afloram
com facilidade", dizia Boileau. Atualmente, estamos bem além desse
preceito. Não basta, para fazer com que se aprenda, estruturar o texto
do saber e depois "lê-lo" de modo inteligível e vivaz, ainda que isso
já requeira talentos didáticos. A competência requerida hoje em dia é o domínio
dos conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-Ios em
situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos
interesses dos alunos, explorando os acontecimentos, em suma, favorecendo a
apropriação ativa e a transferência dos saberes, sem passar necessariamente por
sua exposição metódica, na ordem prescrita por um sumário.
Essa
facilidade na administração das situações e dos conteúdos exige um domínio
pessoal não apenas dos saberes, mas também daquilo que Develay (1992) chama de matriz
disciplinar, ou seja, os conceitos, as questões e os paradigmas que
estruturam os saberes no seio de uma disciplina. Sem esse domínio, a unidade
dos saberes está perdida, os detalhes são superestimados e a capacidade de
reconstruir um planejamento didático a partir dos alunos e dos acontecimentos
encontra-se enfraquecida.
Por
isso, a importância de saber identificar noções-núcleo (Meirieu, 1989,
1990) ou competências-chave (Perrenoud, 1998a) em torno das quais organizar as
aprendizagens e em função das quais orientar o trabalho em aula e estabelecer
prioridades. Não é razoável pedir a cada professor que faça sozinho, para sua
turma, uma leitura dos programas com vistas a extrair núcleos. Entretanto,
mesmo que a instituição proponha uma reescritura dos programas nesse sentido,
eles correm o risco de permanecer letra morta para os professores que não estão
prontos para consentirem um importante trabalho de vaivém entre os
conteúdos, os objetivos e as situações. É esse preço que pagarão para navegar
na cadeia da transposição didática "como peixes na água"!
TRABALHAR
A PARTIR DAS REPRESENTAÇÕES DOS ALUNOS
A
escola não constrói a partir do zero, nem o aprendiz não é uma tábula rasa, uma
mente vazia; ele sabe, ao contrário, "muitas coisas", questionou-se e
assimilou ou elaborou respostas que o satisfazem provisoriamente. Por causa
disso, muitas vezes, o ensino choca-se de frente com as concepções dos
aprendizes.
Nenhum
professor experiente ignora este fato: os alunos pensam que sabem uma parte
daquilo que se deseja ensinar-lhes. Uma boa pedagogia tradicional usa, às
vezes, esses fragmentos de conhecimento como pontos de apoio, mas o professor
transmite, pelo menos implicitamente, a seguinte mensagem: "Esqueçam o que
vocês sabem, desconfiem do senso comum e do que lhes contaram e escutem-me,
pois vou dizer-lhes como as coisas acontecem realmente".
A
didática das ciências (Giordan e De Vecchi, 1987; De Vecchi, 1992, 1993;
Astolfi e Develay, 1996; Astolfi, Darot, Ginsburger-Vogel e Toussaint, 1997;
Joshua e Dupin, 1993) mostrou que não é possível livrar-se tão facilmente das
concepções prévias dos aprendizes. Elas fazem parte de um sistema de
representações que tem sua coerência e suas funções de explicação do mundo e
que se reconstitui sub-repticiamente, a despeito das demonstrações irrefutáveis
e dos desmentidos formais feitos pelo professor. Até mesmo ao final dos estudos
científicos universitários, os estudantes retomam ao senso comum quando estão
às voltas, fora do contexto da aula ou do laboratório. Tudo se passa como se o
ensino teórico expulsasse, na hora da aula e do exame, uma
"naturalidade" prestes a reaparecer a todo vapor nos outros
contextos.
O
que vale para as ciências manifesta-se em todas as áreas em que a ocasião e a
necessidade de compreender não esperaram que o assunto fosse tratado na
escola... Trabalhar a partir das representações dos alunos não consiste em
fazê-Ias expressarem-se, para desvalorizá-Ias imediatamente. O importante é
dar-Ihes regularmente direitos na aula, interessar-se por elas, tentar
compreender suas raízes e sua forma de coerência, não se surpreender se elas
surgirem novamente, quando as julgávamos ultrapassadas. Para isso, deve-se
abrir um espaço de discussão, não censurar imediatamente as analogias
falaciosas, as explicações animistas ou antropomórficas e os raciocínios
espontâneos, sob pretexto de que levam a conclusões errôneas.
Bachelard
(1996) observa que os professores têm dificuldades para compreender que seus
alunos não compreendem, já que perderam a memória do caminho do
conhecimento, dos obstáculos, das incertezas, dos atalhos, dos momentos de
pânico intelectual ou de vazio. Para o professor, um número, uma subtração, uma
fração são saberes adquiridos e banalizados, assim como o imperfeito, a noção
de verbo, de concordância ou de subordinada ou, então, a noção de célula, de
tensão elétrica ou de dilatação. O professor que trabalha a partir das
representações dos alunos tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não
sabia, colocar-se no lugar dos aprendizes, lembrar-se de que,
se não compreendem, não é por falta de vontade, mas porque o que é evidente
para o especialista parece opaco e arbitrário para os aprendizes. De nada
adianta explicar cem vezes a técnica de desconto a um aluno que não compreende
o princípio da numeração em diferentes bases. Para aceitar que um aluno não
compreende o princípio de Arquimedes, deve-se avaliar sua extrema abstração, a
dificuldade de conceituar a resistência da água ou de se desfazer da idéia
intuitiva de que um corpo flutua "porque faz esforços para não
afundar", como um ser vivo.
Para
imaginar o conhecimento já construído na mente do aluno, e que obstaculiza o
ensino, não basta que os professores tenham a memória de suas próprias
aprendizagens. Uma cultura mais extensa em história e em filosofia das ciências
poderia ajudá-los, por exemplo, a compreenderem por que a humanidade levou
séculos para abandonar a idéia de que o Sol girava em torno da Terra, ou para
aceitar que uma mesa seja um sólido essencialmente vazio, considerando-se a
estrutura atômica da matéria. A maior parte dos conhecimentos científicos
contraria a intuição. As representações e as concepções que lhes são opostas
não são apenas aquelas das crianças, mas das sociedades do passado e de uma
parte dos adultos contemporâneos. É igualmente útil que os professores tenham
algumas noções de psicologia genética. Enfim, é importante que se confrontem
com os limites de seus próprios conhecimentos e que (re)descubram que as noções
de número imaginário, de quanta, de buraco negro, de supercondutor, de DNA, de
inflação ou de metacognição colocam-no em dificuldades, da mesma forma que seus
alunos, diante das noções mais elementares.
Resta
trabalhar a partir das concepções dos alunos, dialogar com eles, fazer com que
sejam avaliadas para aproximá-Ias dos conhecimentos científicos a serem
ensinados. A competência do professor é, então, essencialmente didática. Ajuda-o
a fundamentar-se nas representações prévias dos alunos, sem se fechar nelas, a
encontrar um ponto de entrada em seu sistema cognitivo, uma maneira de
desestabilizá-los apenas o suficiente para levá-los a restabelecerem o
equilíbrio, incorporando novos elementos às representações existentes,
reorganizando-as se necessário.
TRABALHAR
A PARTIR DOS ERROS E DOS OBSTÁCULOS À APRENDIZAGEM
Esta
competência segue imediatamente a anterior. Baseia-se no postulado simples de
que aprender não é primeiramente memorizar, estocar informações, mas reestruturar
seu sistema de compreensão de mundo. Tal reestruturação não acontece sem
um importante trabalho cognitivo. Engajando-se nela, restabelece-se um
equilíbrio rompido, dominando melhor a realidade de maneira simbólica e prática.
Por
que a sombra de uma árvore se alonga? Porque o Sol se deslocou, dirão aqueles
que, na vida cotidiana, continuam a pensar que o Sol gira em tomo da Terra.
Porque a Terra seguiu sua rotação, dirão os discípulos de Galileu. Daí a
estabelecer uma relação precisa entre a rotação da Terra (ou o movimento
aparente do Sol) e o alongamento de uma sombra, há apenas um passo, que supõe
um modelo geométrico e trigonométrico que a maioria dos adultos teria bastante
dificuldade para relembrar ou elaborar rapidamente.
A
pedagogia clássica trabalha a partir dos obstáculos, mas privilegia aqueles que
a teoria propõe, aqueles que o aluno encontra em seu livro de matemática ou de
física, quando, lendo pela terceira ou oitava vez o enunciado de um teorema ou
de uma lei, ainda não compreende por que a soma dos ângulos de um triângulo é
igual a 180°, ou como pode ser possível um corpo cair com aceleração constante.
Uma
verdadeira situação-problema obriga a transpor um obstáculo graças a uma
aprendizagem inédita, quer se trate de uma simples transferência, de uma
generalização ou da construção de um conhecimento inteiramente novo. O
obstáculo torna-se, então, o objetivo do momento, um objetivo-obstáculo, conforme
a expressão de Martinand (1986) retomada por Meirieu, Astolfi e muitos outros.
Deparar-se
com o obstáculo é, em um primeiro momento, enfrentar o vazio, a ausência de
qualquer solução, até mesmo de qualquer pista ou método, sendo levado à
impressão de que jamais se conseguirá alcançar soluções. Se ocorre a devolução
do problema, ou seja, se os alunos apropriam-se dele, sua mente põe-se em
movimento, constrói hipóteses, procede a explorações, propõe tentativas
"para ver". Em um trabalho coletivo, inicia-se a discussão, o choque
das representações obriga cada um a precisar seu pensamento e a levar em conta
o dos outros.
É
nesse momento que o erro de raciocínio e de estratégia ameaça.
Diante
de uma tarefa complexa, os obstáculos cognitivos são, em larga medida,
constituídos por pistas falsas, erros de raciocínio, estimativa ou cálculo.
Entretanto, o erro também ameaça aparecer nos exercícios mais clássicos.
A
didática das disciplinas interessa-se cada vez mais pelos erros e tenta compreendê-los,
antes de combatê-Ios. Astolfi (1997) propõe que se considere o erro como
uma ferramenta para ensinar, um revelador dos mecanismos de pensamento
do aprendiz. Para desenvolver essa competência, o professor deve,
evidentemente, ter conhecimentos em didática e em psicologia cognitiva. De
início, deve interessar-se pelos erros, aceitando-os como etapas estimáveis
do esforço de compreender, esforçar-se, não corrigi-los ("Não diga,
mas diga!"), proporcionando ao aprendiz, porém, os meios para tomar
consciência deles, identificar sua origem e transpô-los.
CONSTRUIR
E PLANEJAR DISPOSITIVOS E SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS
Uma
situação de aprendizagem inscreve-se em um dispositivo que a torna possível
e, às vezes, em uma seqüência didática na qual cada situação é
uma etapa em uma progressão. Seqüências e dispositivos didáticos inscrevem-se,
por sua vez, em um contrato pedagógico e didático, regras de funcionamento e instituições
internas à classe.
As
noções de dispositivo e de seqüência didáticos chamam a atenção para o fato de
que uma situação de aprendizagem não ocorre ao acaso e é engendrada por um
dispositivo que coloca os alunos diante de uma tarefa a ser realizada, um
projeto a fazer, um problema a resolver. Não há dispositivo geral; tudo depende
da disciplina, dos conteúdos específicos, do nível dos alunos, das opções do
professor. Um procedimento de projeto leva a certos dispositivos. O trabalho
por meio de situações-problema leva a outros, os procedimentos de pesquisa, a
outros ainda. Nesses casos, há um certo número de parâmetros que devem
ser dominados para que as aprendizagens almejadas se realizem.
Dispositivos
e seqüências didáticas buscam, para fazer com que se aprenda, mobilizar os
alunos seja para compreenderem, seja para terem êxito, se
possível os dois (Piaget, 1974). Sua concepção e sua implantação levam ao
confronto de um dos dilemas de toda pedagogia ativa: ou investir em projetos
que envolvam e apaixonem os alunos, com o risco de que professores e alunos
tornem-se prisioneiros de uma lógica de produção e de êxito, ou implantar
dispositivos e seqüências mais abertamente centralizados em aprendizagens,
reencontrando os impasses das pedagogias da lição e do exercício (Perrenoud,
1998n).
Todo
dispositivo repousa sobre hipóteses relativas à aprendizagem e à relação com o
saber, o projeto, a ação, a cooperação, o erro, a incerteza, o êxito e o
fracasso, o obstáculo, o tempo. Se construímos dispositivos partindo do
princípio de que todos querem aprender e aceitam pagar um preço por isso,
marginalizamos os alunos para os quais o acesso ao saber não pode ser tão
direto. Procedimentos de projeto podem, ao contrário, tornar-se fins em si
mesmos e afastar-se do programa. A competência profissional consiste na busca
de um amplo repertório de dispositivos e de seqüências na sua
adaptação ou construção, bem como na identificação, com tanta perspicácia
quanto possível, que eles mobilizam e ensinam.
Como
tomar o conhecimento apaixonante por si mesmo? Essa não é somente uma questão
de competência, mas de identidade e de projeto pessoal do professor.
Infelizmente, nem todos os professores apaixonados dão-se o direito de
partilhar sua paixão, nem todos os professores curiosos conseguem tornar seu
amor pelo conhecimento inteligível e contagioso. A competência aqui visada
passa pela arte de comunicar-se, seduzir, encorajar, mobilizar, envolvendo-se
como pessoa.
A
paixão pessoal não basta, se o professor não for capaz de estabelecer uma cumplicidade
e uma solidariedade verossímeis na busca do conhecimento. Ele
deve buscar com seus alunos, renunciando a defender a imagem do professor
"que sabe tudo", aceitando mostrar suas próprias divagações e
ignorâncias, não cedendo à tentação de interpretar a comédia do domínio, não
colocando sempre o conhecimento ao lado da razão, da preparação do futuro e do
êxito. Quanto aos professores que se mostram impassíveis diante dos
conhecimentos que ensinam, como esperar que suscitem a menor vibração em seus
alunos?
Todas
as competências precisam ser evocadas, pois têm um forte componente didático.
Esta última, mais do que as outras, lembra-nos que a didática tropeça
incessantemente na questão do sentido e da subjetividade do professor e do
aprendiz e, portanto, também nas relações intersubjetivas que se constituem
acerca do saber, mas não se desenvolvem somente no registro cognitivo.
O
sistema universitário francês compreende três ciclos: o primeiro corresponde à
Graduação no Brasil, o segunda e o terceiro correspondem, aproximadamente, à
pós-graduação (mestrado e doutorado).
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:
PERRENOUD,
Phillippe. As novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed,
2004.