domingo, 17 de fevereiro de 2013

NOVAS COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR




ORGANIZAR E DIRIGIR SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM

Por que apresentar como uma nova competência a capacidade de organizar e de dirigir situações de aprendizagem? Ela não estaria no próprio cerne do ofício de professor?
Tudo depende, evidentemente, do que se esconde sob as palavras. O ofício de professor foi, por muito tempo, assimilado à aula magistral seguida de exercícios. A figura do Magister lembra aquela de Discípulo, que "bebe suas palavras" e nunca pára de se formar em contato com ele, elaborando posteriormente seu pensamento. Escutar uma lição, fazer exercícios ou estudar em um livro podem ser atividades de aprendizagem. Conseqüentemente, o professor mais tradicional pode pretender organizar e dirigir tais situações, mais ou menos como M. Jourdin fazia prosa, sem saber, ou mais exatamente, sem dar importância a isso. A própria idéia de situação de aprendizagem não apresenta nenhum interesse para aqueles que pensam que se vai à escola para aprender e que todas as situações servem supostamente a esse desígnio. Desse ponto de vista, insistir nas "situações de aprendizagem" nada acrescenta à visão clássica do ofício de professor. Essa insistênda pode até mesmo parecer pedante, como se insistíssemos em dizer que um médico "concebe e dirige situações terapêuticas" mais do que simplesmente reconhecer que trata seus pacientes, assim como o mestre instrui seus alunos. Com exceção daqueles que estão familiarizados com as pedagogias ativas e com os trabalhos em didática das disciplinas, os professores de hoje não se concebem espontaneamente como "conceptores-dirigentes de situações de aprendizagem".
Trata-se de uma simples questão de vocabulário, ou eles têm razões para resistir a uma maneira de ver que só pode complicar sua vida? Tomemos o exemplo do ensino universitário de primeiro ciclo, tal como ainda dispensado na maioria dos países. A aula é dada em um anfiteatro, diante de centenas de rostos anônimos. Compreenda e aprenda quem puder! O professor poderia por um instante alimentar a ilusão de que cria, desse modo, para cada um, uma situação de aprendizagem, definida pela escuta da palestra magistral e pelo trabalho de tomada de notas, de compreensão e de reflexão que ela supostamente suscita. Se ele refletir, verá que a padronização aparente da situação é uma ficção e que existem tantas situações diferentes quantos alunos. Cada um vivencia a aula em função de seu humor e de sua disponibilidade, do que ouve e compreende, conforme seus recursos intelectuais, sua capacidade de concentração, o que o interessa, faz sentido para ele, relaciona-se com outros saberes ou com realidades que lhe são familiares ou que consegue imaginar. Nesse estágio da reflexão, o professor terá a sabedoria de suspendê-la, sob pena de avaliar que, na verdade, não sabe grande coisa a respeito das situações de aprendizagem que cria... Ver-se como conceptor e dirigente de situações de aprendizagem não deixa de ter riscos: isso pode levar ao questionamento de sua pertinência e eficácia.
O sistema educativo construiu-se de cima para baixo. É por isso que as mesmas constatações valem, até um certo ponto, para o ensino médio e, em menor medida, para o ensino fundamental. Quando os alunos são crianças ou adolescentes, eles são menos numerosos e o ensino é mais interativo; há mais possibilidades de exercícios e experiências feitas por eles (e não diante deles). Entretanto, enquanto praticarem uma pedagogia magistral e pouco diferenciada, os professores não dominarão verdadeiramente as situações de aprendizagem nas quais colocam cada um de seus alunos. No máximo, podem velar, usando meios disciplinares clássicos, para que todos os alunos escutem com atenção e envolvam-se ativamente, pelo menos em aparência, nas tarefas atribuídas. A reflexão sobre as situações didáticas começa com a questão de Saint-Onge (1996): "Eu, ensino, mas eles aprendem?".
Desde Bourdieu (1966), sabe-se que só aprendem verdadeiramente, por meio dessa pedagogia, os "herdeiros", aqueles que dispõem dos meios culturais para tirar proveito de uma formação que se dirige formalmente a todos, na ilusão da eqüidade, identificada nesse caso pela igualdade de tratamento. Isso parece evidente hoje em dia. No entanto, foi necessário um século de escolaridade obrigatória para se começar a questionar esse modelo, opondo-lhe um modelo mais centrado nos aprendizes, suas representações, sua atividade, as situações concretas nas quais são mergulhados e seus efeitos didáticos. Sem dúvida, essa evolução — inacabada e frágil — tem vínculos com a abertura dos estudos longos a novos públicos, o que obriga a se preocupar com aqueles para os quais assistir a uma aula magistral e fazer exercícios não é suficiente para aprender. Há laços estreitos entre a pedagogia diferenciada e a reflexão sobre as situações de aprendizagem (Meirieu, 1989; 1990).
Na perspectiva de uma escola mais eficaz para todos, organizar e dirigir situações de aprendizagem deixou de ser uma maneira ao mesmo tempo banal e complicada de designar o que fazem espontaneamente todos os professores. Essa linguagem acentua a vontade de conceber situações didáticas ótimas, inclusive e principalmente para os alunos que não aprendem ouvindo lições. As situações assim concebidas distanciam-se dos exercícios clássicos, que apenas exigem a operacionalização de um procedimento co­nhecido. Permanecem úteis, mas não são mais o início e o fim do trabalho em aula, como tampouco a aula magistral, limitada a funções precisas (Étienne e Lerouge, 1997, p. 64). Organizar e dirigir situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais procedimentos. É, sobretudo, despender energia e tempo e dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de aprendizagem, que as didáticas contemporâneas encaram como situações amplas, abertas, carregadas de sentido e de regulação, as quais requerem um método de pesquisa, de identificação e de resolução de problemas.
Essa competência global mobiliza várias competências mais específicas:

. Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem.
. Trabalhar a partir das representações dos alunos.
. Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem.
. Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas.
. Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.
Vamos analisá-las, uma a uma, lembrando-nos de que todas contribuem para a concepção, organização e animação de situações de aprendizagem.

CONHECER PARA DETERMINADA DISCIPLINA, OS CONTEÚDOS A SEREM ENSINADOS E SUA TRADUÇÃO EM OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Conhecer os conteúdos a serem ensinados é a menor das coisas, quando se pretende instruir alguém. Porém, a verdadeira competência pedagógica não está aí; ela consiste, de um lado, em relacionar os conteúdos a objetivos e, de outro, a situações de aprendizagem. Isso não parece necessário, quando o professor se limita a percorrer, capítulo após capítulo, página após página, o "texto do saber". Certamente, nesta etapa há transposição didática (Chevallard, 1991), na medida em que o saber é organizado em lições sucessivas, conforme um plano e em um ritmo que dêem conta, em princípio, do nível médio e das aquisições anteriores dos alunos, com momentos de revisão e de avaliação. Em tal pedagogia, os objetivos são implicitamente definidos pelos conteúdos: trata-se, em suma, de o aluno assimilar o conteúdo e de dar provas dessa assimilação durante uma prova oral, escrita ou um exame.
A preocupação com os objetivos vem à tona durante os anos 60, com a "pedagogia de domínio", tradução aproximada da expressão inglesa mastery learning. Bloom (1979), seu criador, defende um ensino orientado por critérios de domínio, regulado por uma avaliação formativa que leve a "remediações". Na mesma época (Bloom, 1975), propõe a primeira "taxonomia dos objetivos pedagógicos", ou seja, uma classificação completa das aprendizagens visadas na escola.
Nos países francófonos, essa abordagem foi freqüentemente caricaturada sob o rótulo de "pedagogia por objetivos". Hameline (1979) descreveu tanto as virtudes quanto os excessos e os limites do trabalho por objetivos. Huberman (1988) mostrou que o modelo da pedagogia de domínio permanece pertinente, desde que ampliado e integrado a abordagens mais construtivistas. Hoje em dia, ninguém mais pleiteia um ensino guiado a cada passo por objetivos muito precisos, imediatamente testados com vistas a uma remediação imediata. O ensino certamente persegue objetivos, mas não de maneira mecânica e obsessiva. Eles intervêm em três estágios: do planejamento didático, não para ditar situações de aprendizagem próprias a cada objetivo, mas para identificar os objetivos trabalhados nas situações em questão, de modo a escolhê-los e dirigi-los com conhecimento de causa; da análise a posteriori das situações e das atividades, quando se trata de delimitar o que se desenvolveu realmente e de modificar a seqüência das atividades propostas; da avaliação, quando se trata de controlar os conhecimentos adquiridos pelos alunos.
Traduzir o programa em objetivos de aprendizagem e estes em situações e atividades realizáveis não é uma atividade linear, que permita honrar cada objetivo separadamente. Os saberes e o savoir-faire de alto nível são construídos em situações múltiplas, complexas, cada uma delas dizendo respeito a vários objetivos, por vezes em várias disciplinas. Para organizar e dirigir tais situações de aprendizagem, é indispensável que o professor domine os saberes, que esteja mais de uma lição à frente dos alunos e que seja capaz de encontrar o essencial sob múltiplas aparências, em contextos variados.
"O que se concebe bem se enuncia claramente, e as palavras para dizê-lo afloram com facilidade", dizia Boileau. Atualmente, estamos bem além desse preceito. Não basta, para fazer com que se aprenda, estruturar o texto do saber e depois "lê-lo" de modo inteligível e vivaz, ainda que isso já requeira talentos didáticos. A competência requerida hoje em dia é o domínio dos conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-Ios em situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos interesses dos alunos, explorando os acontecimentos, em suma, favorecendo a apropriação ativa e a transferência dos saberes, sem passar necessariamente por sua exposição metódica, na ordem prescrita por um sumário.
Essa facilidade na administração das situações e dos conteúdos exige um domínio pessoal não apenas dos saberes, mas também daquilo que Develay (1992) chama de matriz disciplinar, ou seja, os conceitos, as questões e os paradigmas que estruturam os saberes no seio de uma disciplina. Sem esse domínio, a unidade dos saberes está perdida, os detalhes são superestimados e a capacidade de reconstruir um planejamento didático a partir dos alunos e dos acontecimentos encontra-se enfraquecida.
Por isso, a importância de saber identificar noções-núcleo (Meirieu, 1989, 1990) ou competências-chave (Perrenoud, 1998a) em torno das quais organizar as aprendizagens e em função das quais orientar o trabalho em aula e estabelecer prioridades. Não é razoável pedir a cada professor que faça sozinho, para sua turma, uma leitura dos programas com vistas a extrair núcleos. Entretanto, mesmo que a instituição proponha uma reescritura dos programas nesse sentido, eles correm o risco de permanecer letra morta para os professores que não estão prontos para consentirem um importante trabalho de vaivém entre os conteúdos, os objetivos e as situações. É esse preço que pagarão para navegar na cadeia da transposição didática "como peixes na água"!

TRABALHAR A PARTIR DAS REPRESENTAÇÕES DOS ALUNOS

A escola não constrói a partir do zero, nem o aprendiz não é uma tábula rasa, uma mente vazia; ele sabe, ao contrário, "muitas coisas", questionou-se e assimilou ou elaborou respostas que o satisfazem provisoriamente. Por causa disso, muitas vezes, o ensino choca-se de frente com as concepções dos aprendizes.
Nenhum professor experiente ignora este fato: os alunos pensam que sabem uma parte daquilo que se deseja ensinar-lhes. Uma boa pedagogia tradicional usa, às vezes, esses fragmentos de conhecimento como pontos de apoio, mas o professor transmite, pelo menos implicitamente, a seguinte mensagem: "Esqueçam o que vocês sabem, desconfiem do senso comum e do que lhes contaram e escutem-me, pois vou dizer-lhes como as coisas acontecem realmente".
A didática das ciências (Giordan e De Vecchi, 1987; De Vecchi, 1992, 1993; Astolfi e Develay, 1996; Astolfi, Darot, Ginsburger-Vogel e Toussaint, 1997; Joshua e Dupin, 1993) mostrou que não é possível livrar-se tão facilmente das concepções prévias dos aprendizes. Elas fazem parte de um sistema de representações que tem sua coerência e suas funções de explicação do mundo e que se reconstitui sub-repticiamente, a despeito das demonstrações irrefutáveis e dos desmentidos formais feitos pelo professor. Até mesmo ao final dos estudos científicos universitários, os estudantes retomam ao senso comum quando estão às voltas, fora do contexto da aula ou do laboratório. Tudo se passa como se o ensino teórico expulsasse, na hora da aula e do exame, uma "naturalidade" prestes a reaparecer a todo vapor nos outros contextos.
O que vale para as ciências manifesta-se em todas as áreas em que a ocasião e a necessidade de compreender não esperaram que o assunto fosse tratado na escola... Trabalhar a partir das representações dos alunos não consiste em fazê-Ias expressarem-se, para desvalorizá-Ias imediatamente. O importante é dar-Ihes regularmente direitos na aula, interessar-se por elas, tentar compreender suas raízes e sua forma de coerência, não se surpreender se elas surgirem novamente, quando as julgávamos ultrapassadas. Para isso, deve-se abrir um espaço de discussão, não censurar imediatamente as analogias falaciosas, as explicações animistas ou antropomórficas e os raciocínios espontâneos, sob pretexto de que levam a conclusões errôneas.
Bachelard (1996) observa que os professores têm dificuldades para compreender que seus alunos não compreendem, já que perderam a memória do caminho do conhecimento, dos obstáculos, das incertezas, dos atalhos, dos momentos de pânico intelectual ou de vazio. Para o professor, um número, uma subtração, uma fração são saberes adquiridos e banalizados, assim como o imperfeito, a noção de verbo, de concordância ou de subordinada ou, então, a noção de célula, de tensão elétrica ou de dilatação. O professor que trabalha a partir das representações dos alunos tenta reencontrar a memória do tempo em que ainda não sabia, colocar-se no lugar dos aprendizes, lembrar-se de que, se não compreendem, não é por falta de vontade, mas porque o que é evidente para o especialista parece opaco e arbitrário para os aprendizes. De nada adianta explicar cem vezes a técnica de desconto a um aluno que não compreende o princípio da numeração em diferentes bases. Para aceitar que um aluno não compreende o princípio de Arquimedes, deve-se avaliar sua extrema abstração, a dificuldade de conceituar a resistência da água ou de se desfazer da idéia intuitiva de que um corpo flutua "porque faz esforços para não afundar", como um ser vivo.
Para imaginar o conhecimento já construído na mente do aluno, e que obstaculiza o ensino, não basta que os professores tenham a memória de suas próprias aprendizagens. Uma cultura mais extensa em história e em filosofia das ciências poderia ajudá-los, por exemplo, a compreenderem por que a humanidade levou séculos para abandonar a idéia de que o Sol girava em torno da Terra, ou para aceitar que uma mesa seja um sólido essencialmente vazio, considerando-se a estrutura atômica da matéria. A maior parte dos conhecimentos científicos contraria a intuição. As representações e as concepções que lhes são opostas não são apenas aquelas das crianças, mas das sociedades do passado e de uma parte dos adultos contemporâneos. É igualmente útil que os professores tenham algumas noções de psicologia genética. Enfim, é importante que se confrontem com os limites de seus próprios conhecimentos e que (re)descubram que as noções de número imaginário, de quanta, de buraco negro, de supercondutor, de DNA, de inflação ou de metacognição colocam-no em dificuldades, da mesma forma que seus alunos, diante das noções mais elementares.
Resta trabalhar a partir das concepções dos alunos, dialogar com eles, fazer com que sejam avaliadas para aproximá-Ias dos conhecimentos científicos a serem ensinados. A competência do professor é, então, essencialmente didática. Ajuda-o a fundamentar-se nas representações prévias dos alunos, sem se fechar nelas, a encontrar um ponto de entrada em seu sistema cognitivo, uma maneira de desestabilizá-los apenas o suficiente para levá-los a restabelecerem o equilíbrio, incorporando novos elementos às representações existentes, reorganizando-as se necessário.

TRABALHAR A PARTIR DOS ERROS E DOS OBSTÁCULOS À APRENDIZAGEM

Esta competência segue imediatamente a anterior. Baseia-se no postulado simples de que aprender não é primeiramente memorizar, estocar informações, mas reestruturar seu sistema de compreensão de mundo. Tal reestruturação não acontece sem um importante trabalho cognitivo. Engajando-se nela, restabelece-se um equilíbrio rompido, dominando melhor a realidade de maneira simbólica e prática.
Por que a sombra de uma árvore se alonga? Porque o Sol se deslocou, dirão aqueles que, na vida cotidiana, continuam a pensar que o Sol gira em tomo da Terra. Porque a Terra seguiu sua rotação, dirão os discípulos de Galileu. Daí a estabelecer uma relação precisa entre a rotação da Terra (ou o movimento aparente do Sol) e o alongamento de uma sombra, há apenas um passo, que supõe um modelo geométrico e trigonométrico que a maioria dos adultos teria bastante dificuldade para relembrar ou elaborar rapidamente.
A pedagogia clássica trabalha a partir dos obstáculos, mas privilegia aqueles que a teoria propõe, aqueles que o aluno encontra em seu livro de matemática ou de física, quando, lendo pela terceira ou oitava vez o enunciado de um teorema ou de uma lei, ainda não compreende por que a soma dos ângulos de um triângulo é igual a 180°, ou como pode ser possível um corpo cair com aceleração constante.
Uma verdadeira situação-problema obriga a transpor um obstáculo graças a uma aprendizagem inédita, quer se trate de uma simples transferência, de uma generalização ou da construção de um conhecimento inteiramente novo. O obstáculo torna-se, então, o objetivo do momento, um objetivo-obstáculo, conforme a expressão de Martinand (1986) retomada por Meirieu, Astolfi e muitos outros.
Deparar-se com o obstáculo é, em um primeiro momento, enfrentar o vazio, a ausência de qualquer solução, até mesmo de qualquer pista ou método, sendo levado à impressão de que jamais se conseguirá alcançar soluções. Se ocorre a devolução do problema, ou seja, se os alunos apropriam-se dele, sua mente põe-se em movimento, constrói hipóteses, procede a explorações, propõe tentativas "para ver". Em um trabalho coletivo, inicia-se a discussão, o choque das representações obriga cada um a precisar seu pensamento e a levar em conta o dos outros.
É nesse momento que o erro de raciocínio e de estratégia ameaça.  
Diante de uma tarefa complexa, os obstáculos cognitivos são, em larga medida, constituídos por pistas falsas, erros de raciocínio, estimativa ou cálculo. Entretanto, o erro também ameaça aparecer nos exercícios mais clássicos.
A didática das disciplinas interessa-se cada vez mais pelos erros e tenta compreendê-los, antes de combatê-Ios. Astolfi (1997) propõe que se considere o erro como uma ferramenta para ensinar, um revelador dos mecanismos de pensamento do aprendiz. Para desenvolver essa competência, o professor deve, evidentemente, ter conhecimentos em didática e em psicologia cognitiva. De início, deve interessar-se pelos erros, aceitando-os como etapas estimáveis do esforço de compreender, esforçar-se, não corrigi-los ("Não diga, mas diga!"), proporcionando ao aprendiz, porém, os meios para tomar consciência deles, identificar sua origem e transpô-los.

CONSTRUIR E PLANEJAR DISPOSITIVOS E SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS

Uma situação de aprendizagem inscreve-se em um dispositivo que a torna possível e, às vezes, em uma seqüência didática na qual cada situação é uma etapa em uma progressão. Seqüências e dispositivos didáticos inscrevem-se, por sua vez, em um contrato pedagógico e didático, regras de funcionamento e instituições internas à classe.
As noções de dispositivo e de seqüência didáticos chamam a atenção para o fato de que uma situação de aprendizagem não ocorre ao acaso e é engendrada por um dispositivo que coloca os alunos diante de uma tarefa a ser realizada, um projeto a fazer, um problema a resolver. Não há dispositivo geral; tudo depende da disciplina, dos conteúdos específicos, do nível dos alunos, das opções do professor. Um procedimento de projeto leva a certos dispositivos. O trabalho por meio de situações-problema leva a outros, os procedimentos de pesquisa, a outros ainda. Nesses casos, há um certo número de parâmetros que devem ser dominados para que as aprendizagens almejadas se realizem.
Dispositivos e seqüências didáticas buscam, para fazer com que se aprenda, mobilizar os alunos seja para compreenderem, seja para terem êxito, se possível os dois (Piaget, 1974). Sua concepção e sua implantação levam ao confronto de um dos dilemas de toda pedagogia ativa: ou investir em projetos que envolvam e apaixonem os alunos, com o risco de que professores e alunos tornem-se prisioneiros de uma lógica de produção e de êxito, ou implantar dispositivos e seqüências mais abertamente centralizados em aprendizagens, reencontrando os impasses das pedagogias da lição e do exercício (Perrenoud, 1998n).
Todo dispositivo repousa sobre hipóteses relativas à aprendizagem e à relação com o saber, o projeto, a ação, a cooperação, o erro, a incerteza, o êxito e o fracasso, o obstáculo, o tempo. Se construímos dispositivos partindo do princípio de que todos querem aprender e aceitam pagar um preço por isso, marginalizamos os alunos para os quais o acesso ao saber não pode ser tão direto. Procedimentos de projeto podem, ao contrário, tornar-se fins em si mesmos e afastar-se do programa. A competência profissional consiste na busca de um amplo repertório de dispositivos e de seqüências na sua adaptação ou construção, bem como na identificação, com tanta perspicácia quanto possível, que eles mobilizam e ensinam.
Como tomar o conhecimento apaixonante por si mesmo? Essa não é somente uma questão de competência, mas de identidade e de projeto pessoal do professor. Infelizmente, nem todos os professores apaixonados dão-se o direito de partilhar sua paixão, nem todos os professores curiosos conseguem tornar seu amor pelo conhecimento inteligível e contagioso. A competência aqui visada passa pela arte de comunicar-se, seduzir, encorajar, mobilizar, envolvendo-se como pessoa.
A paixão pessoal não basta, se o professor não for capaz de estabelecer uma cumplicidade e uma solidariedade verossímeis na busca do conhecimento. Ele deve buscar com seus alunos, renunciando a defender a imagem do professor "que sabe tudo", aceitando mostrar suas próprias divagações e ignorâncias, não cedendo à tentação de interpretar a comédia do domínio, não colocando sempre o conhecimento ao lado da razão, da preparação do futuro e do êxito. Quanto aos professores que se mostram impassíveis diante dos conhecimentos que ensinam, como esperar que suscitem a menor vibração em seus alunos?
Todas as competências precisam ser evocadas, pois têm um forte componente didático. Esta última, mais do que as outras, lembra-nos que a didática tropeça incessantemente na questão do sentido e da subjetividade do professor e do aprendiz e, portanto, também nas relações intersubjetivas que se constituem acerca do saber, mas não se desenvolvem somente no registro cognitivo.
O sistema universitário francês compreende três ciclos: o primeiro corresponde à Graduação no Brasil, o segunda e o terceiro correspondem, aproximadamente, à pós-graduação (mestrado e doutorado).

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:

PERRENOUD, Phillippe. As novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2004.





COMO MELHORAR A COMUNICAÇÃO PROFESSOR-ALUNO






“A eficácia máxima da comunicação não é alcançada senão quando a mensagem é compreendida pelo receptor.”
Abrahan Moles


 O PROBLEMA

No atual sistema de ensino centralizado no professor e na matéria, a tarefa de transmitir conhecimentos é a maior carga que o professor carrega sobre os ombros. Por sua vez, o aluno que deseja passar de ano vê-se obrigado a absorver uma considerável e cada dia maior quantidade de informações: conceitos, nomes, fatos, datas, cores, relações, quantidades, fórmulas, processos, normas etc., a maioria das quais ele recebe “via professor”.
A emissão, transmissão e recepção de informações, entretanto, é apenas uma das funções da comunicação entre professor e alunos. Da boa comunicação dependem não só a aprendizagem, mas também o respeito mútuo, a cooperação e a criatividade.
Vamos tentar identificar os principais problemas que atualmente atrapalham a comunicação professor-aluno, visando a descobrir os pontos de estrangulamento:

- O problema fundamental, a nosso ver, consiste no fato de que o professor em geral não percebe que é um mau comunicador, da mesma maneira que são poucos os padres que acham ruins seus sermões.
- O professor está mais preocupado em expor sua matéria, isto é, em falar, que em comunicar, isto é, despertar atenção e interesse, mobilizar a inteligência do aluno, ser entendido por este e induzi-lo à expressão e ao diálogo. O professor acha que sua função consiste em transmitir conhecimentos e que é obrigação do aluno ouvir e compreender. Não percebe que a atenção e a aprendizagem são processos que às vezes devem ser provocadas. 
- Às vezes, o professor tem suas idéias tão mal, ou tão perfeitamente organizadas, que não há nelas lugar para a imaginação criativa dos alunos. Ambos os extremos produzem uma comunicação falha: quando as idéias do professor estão desorganizadas, sua mensagem é confusa e insegura, e os alunos não conseguem perceber a estrutura do assunto. Quando estão demasiadamente organizadas, o professor em geral não gosta de ser interrompido nem de aceitar contribuições dos alunos. Ele evita tudo o que ameaça desorganizar o belo edifício mental que traz preparado.
- O professor expõe partindo da premissa de que, se os alunos mais inteligentes da primeira fila entendem o que ele fala, todos os demais também entenderão. E não se preocupa em verificar se isto ocorreu ou não.
-  O professor utiliza conceitos ou termos que ainda não existem na experiência dos alunos. Ou, se existem, é provável que cada um lhes atribua um significado diferente. Vejamos um exemplo: o professor emprega o termo “conjuntura”. Se perguntasse aos alunos o que entendem por “conjuntura” ficaria surpreendido com respostas tão variadas como “acontecimentos de curto prazo”, “situação em um período dado”, “articulação de ossos”, “contexto”, “interseção de estradas”, “coincidência de opiniões” etc.
- O professor não se preocupa em aumentar o vocabulário dos alunos, o que poderia ser feito explicando os significados e as diversas aplicações dos novos termos.
- O professor coloca tantas idéias em cada exposição que somente algumas delas são compreendidas e retidas. Pela pressa em dar maior quantidade de matéria possível, o professor não repete as idéias principais, nem se detém o tempo necessário para que os alunos de raciocínio mais lento as assimilem.
- Alguns professores falam tão rápido ou articulam as palavras tão mal que muitas das idéias não são percebidas pelos alunos. Outros professores falam em voz tão baixa ou em tom tão monótono, que não conseguem manter a atenção dos alunos.
- O professor não utiliza meios visuais para comunicar conceitos ou relações que exigem apresentação gráfica. Assim, um professor de Entomologia, por exemplo, descreve apenas verbalmente os insetos do algodão: tamanho, forma, cor etc., características todas que exigem visualização objetiva.
- O professor utiliza os meios visuais de uma forma inadequada: por exemplo, emprega o quadro-negro sem planejamento algum, escrevendo e desenhando ora aqui, ora ali, com muita confusão e desordem. As Ietras muito pequenas ou pouco claras são mal decifradas pelos alunos das últimas fileiras. Outro exemplo: o álbum seriado é empregado por alguns professores como um roteiro de aula e não como uma série de estímulos para o pensamento dos alunos. Outros projetam filmes, como substituto da aula, sem justificar seu papel na estratégia didática.
- Mas, de todas essas deficiências, a pior é a tendência do professor ao monólogo, à "salivação" sem diálogo, o que traduz sua falta de interesse pela participação ativa dos alunos. Quanto mais passivos e "bem disciplinados" forem os alunos, mais felizes são alguns professores.

Entretanto, não é justo atribuirmos toda a responsabilidade das deficiências da comunicação ao professor. Os alunos também contribuem com sua importante quota de problemas:

- O aluno tem uma forte tendência a não prestar atenção ao que o professor está dizendo. Por diversas razões (a força competitiva de outros estímulos atuantes em sua vida: namoradas, esportes, trabalho, família, saúde; as suas atitudes negativas contra figuras de autoridade; o seu desinteresse pela matéria em pauta) o aluno pode passar consideráveis períodos na classe fazendo qualquer outra coisa em lugar de atender às palavras do professor.
- Muitos alunos têm preguiça de pensar e, aplicando de menor esforço, adotam uma atitude de passividade e desligamento. (É verdade que esta atitude pode ser um produto de experiências escolares anteriores em que justamente se estimulava a passividade.)
- O aluno que, por preguiça, quer confiar em sua memória, não toma notas das idéias expostas pelo professor. Depois percebe que esqueceu mais da metade.
- O aluno pode manter uma atitude antagônica de rejeição e revolta contra um determinado professor. Essa disposição mental gera um bloqueio inconsciente contra a assimilação da matéria ensinada.
- Certas matérias difíceis e abstratas, como Matemática, Estatística, Teoria Econômica etc, exigem dos alunos exercitar uma atividade intelectual fora do comum. Por falta de prática do pensamento operatório abstrato (J. Piaget) o aluno não acompanha o raciocínio e apenas memoriza as questões, sem realmente compreender sua estrutura e alcance. Esse é um produto típico da educação “bancária”: o professor pensa pelo aluno e quando este se vê obrigado a pensar por sua conta, sua falta de prática o trai.
- O aluno às vezes pensa que entendeu o que o professor está falando e não pede esclarecimentos. Porém, mais tarde, comprova que não entendeu realmente.
- A causa mais séria da ineficiência comunicativa do aluno, entretanto, é sua falta de desejo de aprender; quando existe esse desejo, todos os demais obstáculos de ordem física ou psicológica são vencidos pelo aluno. Mas muitos nunca vão além de uma atitude de "aceitar serem ensinados", sem jamais chegar a um desejo positivo e entusiasta de aprender. Apesar disto ser, em parte, um problema para o qual o professor deve ajudar a resolver, cabe ao aluno a decisão pessoal de sua própria modificação.

ENSINAR NÃO É SÓ COMUNICAR

“O PROFESSOR X TEM UMA ADMIRÁVEL FACILIDADE DE EXPOSIÇÃO DA SUA AULA, NUMA FORMA TÃO BEM ESTRUTURADA E CLARA QUE ENTENDEMOS TUDO: NÃO PRECISAMOS NEM PERGUNTAR NADA, ELE É UM GRANDE COMUNICADOR!”

MAS SERÁ UM GRANDE PROFESSOR?

Muitos professores acham que é seu dever comunicar o máximo do que sabem aos seus alunos, na forma melhor estruturada possível. Daí, por exemplo, o abuso do álbum seriado empregado como roteiro estruturado da matéria.
Ensinar, entretanto, não é somente transmitir, não é somente transferir conhecimentos de uma cabeça a outra, não é somente comunicar. Ensinar é fazer pensar, é estimular para a identificação e resolução de problemas; é ajudar criar novos hábitos de pensamento e de ação.
Isto não significa que a exposição não deva ter estrutura alguma, ou que seja melhor o professor ser um mal comunicador. Significa, sim, que a estrutura da exposição deve conduzir à problematização e ao raciocínio e não à absorção passiva das idéias e informações do professor. Significa ainda que o professor deve ser um comunicador dialogal e não um transmissor unilateral de informação. Ser um comunicador, por outro lado, não é agir como um "showman" e menos ainda como um persuasivo doutrinador. Significa desenvolver "empatia": colocar-se no lugar do aluno e, com ele, problematizar o mundo para que, ao mesmo tempo que aprende novos conteúdos,  desenvolva seu máximo tesouro: sua habilidade de pensar.

PONTOS-CHAVE

Se examinarmos a lista de problemas citados da comunicação professor-aluno, comprovaremos que os pontos de estrangulamento giram em torno de:

- Problemas psicológicos relacionados com percepção, atenção, motivação, atitudes, memória, hábitos de pensamento.
- Problemas semiológicos relacionados com o emprego de signos e códigos para comunicar: palavras, gestos, tom de voz, coisas escritas no quadro negro.
- Problemas semânticos relacionados com o significado das palavras, dos objetos e das pessoas, e sua interpretação.
- Problemas sintáticos relacionados com a estrutura ou organização dos conteúdos e dos signos.
- Problemas cibernéticos relacionados com a retroinformação e o diálogo, com a quantidade de idéias transmitidas por diversos canais e com a capacidade deste para levar sinais.

Esta lista de focos ou áreas de pontos-chave vem demonstrar a complexidade do processo da comunicação, mas também vem nos oferecer um caminho para uma solução, que é apelar às ciências básicas: Psicologia. Semiologia, Semântica, Sintática, Cibernética, na procura de subsídios para melhorar nossa ação de comunicar. Neste momento não analisaremos separadamente as contribuições de cada uma dessas ciências para a compreensão do processo da Comunicação. Estudaremos o processo de forma global, utilizando, de maneira integrada, conceitos tirados de quaisquer dessas ciências, visto que a nossa intenção não é a análise científica do processo de comunicação, mas a derivação de aplicações práticas que ajudem a melhorar seu emprego pelo professor.

TEORIZAÇÃO


O ato de comunicar, em geral, é deflagrado por um objeto ou assunto, em uma situação determinada. Ou seja, as pessoas se comunicam com respeito a alguma coisa e o fazem em um contexto situacional determinado.
No ato de comunicar, a pessoa que inicia o processo o faz com uma certa intenção ou objetivo escolhido (consciente ou inconsciente) entre todos os objetivos possíveis de seu repertório. Apela em seguida para o seu repertório de idéias e experiências e escolhe aquelas que lhe servem para sua intenção ou objetivo. Agora apela para o seu repertório de signos ou códigos, para com eles representar suas idéias. Finalmente escolhe no repertório de meios o melhor veículo para transmitir os signos, e o melhor tratamento dos signos para fazer uma mensagem adequada e efetiva.

UM MODO DE COMUNICAÇÃO

Os diversos elementos e processos que intervêm na comunicação interpessoal podem resumir-se no seguinte modelo:


É importante lembrar que a comunicação é um processo dinâmico e não mecânico, o que significa que, embora seus elementos sejam colocados no modelo como partes separadas, na realidade, todos eles agem de maneira simultânea e interativa. Por outra parte, a comunicação é parte orgânica da própria vida e não consiste apenas na emissão e recepção de mensagens deliberadas. Assim, por exemplo, ao mesmo tempo que o professor está comunicando, ele está recebendo e processando toda classe de sensações internas e externas, acontecendo a mesma coisa com os alunos.
A seguir apresentam-se algumas considerações sobre os diversos processos que intervêm na comunicação interpessoal.

a) As funções da comunicação

Quanto ao repertório de intenções pensemos quantas coisas pode pretender conseguir o professor quando se dirige aos alunos: informar, convencer, disciplinar, ferir, recompensar, perguntar, persuadir, comover etc... etc. Umberto Eco (41) esclarece que as diversas funções da mensagem aparecem raramente isoladas. Em geral coexistem todas na mesma mensagem ainda que uma predominante. Assim classifica Eco as funções:

1- Função indicativa ou referencial: A mensagem "indica" algo, seja um objetivo ou idéia.
2. Função emotiva: A mensagem quer suscitar emoções (associações de idéias, projeções, identificações etc.).
3. Função imperativa: A mensagem tenta impor um comportamento.
4. Função de contrato: Procura estabelecer vínculo psicológico com o receptor (Por exemplo a ação de cumprimentar).
5. Função estética: Pretende criar uma sensação harmoniosa (Exemplo: um quadro).
6. Função metalingüística: A mensagem fala de outra mensagem ou de si mesma.

b) Os meios de comunicação

No seu repertório de meios, o professor pode contar com meios individuais, tais como a instrução programada e o estudo orientado; meios grupais, tais como a discussão, o painel, o seminário, a excursão etc., e meios coletivos, tais como a TV, o rádio, a imprensa e o mais tradicional de todos: o livro.
Os meios, segundo McLuhan (42) são extensões do homem: foram inventados para multiplicar a força e o alcance da capacidade humana de emitir mensagens. A fala individual, por exemplo, não iria muito longe sem o rádio, o telefone, o alto-falante, a televisão.

c) O repertório de signos

O conceito de signo é a base da Comunicação. "Todo objeto material ou a propriedade desse objeto, ou um acontecimento qualquer, converte-se em signo quando, no processo de comunicação, serve, dentro da estrutura de uma linguagem adotada pelas pessoas que se comunicam, ao propósito de transmitir certos pensamentos sobre a realidade (isto é, concernentes ao mundo exterior ou a experiências internas, emocionais, estéticas, volitivas etc... de qualquer dos partícipes do processo de comunicação" (SCHAFF, Adam. Introducción a Ia Semántica. México: Fondo de Cultura Econômica, 1962, p. 180).
Recentemente está chamando bastante atenção o papel dos signos não-verbais na comunicação humana, tendo sido observado que às vezes as palavras de uma pessoa não dão a mesma mensagem que seus olhos ou seus gestos. Para alguns antropólogos como Hall, a cultura inteira é um sistema de signos.
A comunicação será efetiva se o comunicador levar sempre em conta os repertórios correspondentes do receptor. Se ele utilizar uma idéia ou uma experiência que não existir no repertório respectivo do receptor, este não entenderá a mensagem. Se o comunicador escolher signos que não figurem no repertório de signos do receptor, não haverá comunicação.
Vemos logo que a tarefa de comunicar é mais fácil e efetiva quando o professor conhece bem os seus alunos, pois isto significa que conhece seus repertórios de objetivos, idéias e experiências, signos e meios.
A tarefa do professor não consiste apenas em conhecer os repertórios dos alunos, mas principalmente em ajuda-los a modificar e aumentar seus repertórios. Este crescimento, entretanto, não é somente quantitativo, mas consiste em uma modificação da estrutura sistêmica dos repertórios.
Vejamos, por exemplo, como está organizado o sistema de signos de um professor:

- O professor em si é um conjunto de signos: a cor de sua pele, sua roupa, sua forma de falar, indicam sua classe social, seu grau de educação, sua origem geográfica, sua auto-imagem, sua atitude para com os outros.
- Para comunicar-se, ele utiliza diversos tipos de códigos:
O código icônico compreende as representações visuais dos objetos, tais como fotografias, desenhos, modelos etc.
O código lingüístico é o da linguagem em que fala.
O código cinético compreende signos que implicam movimentos, tais como os gestos.
O código sonoro compreende os sons quando utilizados para expressar emoções ou idéias. Assim, quando o professor bate palmas para chamar os alunos de volta à atenção, faz um ruído que tem um significado.
O professor maneja todos estes códigos combinadamente, como um sistema. O processo de representar suas idéias, emoções ou experiências, utilizando estes signos, chama-se processo de codificação.
  
d) Os processos de recepção

Pensemos agora no receptor. Quando a mensagem chega aos órgãos sensoriais do receptor, o primeiro processo que tem lugar é o da percepção. A percepção tem uma base puramente física, mas também sofre influência pela dinâmica psicológica do receptor. Assim, por exemplo, se, por um lado, a mensagem verbal do professor é percebida melhor se vem falada em voz alta e clara, com boa articulação e modulação (base física), por outro lado é melhor percebida se o aluno estiver interessado no assunto e não tem uma atitude negativa contra o professor (base psicológica). A equação pessoal faz com que a percepção seja seletiva: não percebemos todos os estímulos que atingem nossos órgãos porque possuímos uma espécie de filtro perceptual que deixa passar certos estímulos e deixa outros para fora. Vemos melhor aquilo que desejamos ver.
Após a percepção dos signos, o segundo processo é a decodificação. Subconscientemente, o receptor compara os signos percebidos com o seu repertório e decifra a equivalência. Se os signos percebidos não existem no repertorio, o receptor apela ao contexto da mensagem para indagar qual poderia ser o referente desse signo faltante.
O terceiro processo é o da interpretação. A mensagem em sua totalidade é referida ao assunto sobre o qual se está comunicando; é conferida com os demais repertórios do receptor, é comparada a seu conhecimento dos repertórios da fonte, e à situação em que a mensagem é recebida. Dessa forma, a interpretação, ou atribuição de significado para uma mensagem é algo totalmente pessoal e exclusivo de cada aluno. O significado real da mensagem será diferente para cada receptor, pois cada um deles tem um marco de referência próprio e pessoal para sua interpretação.
O quarto processo é a reação ou resposta. O processo de interpretação da mensagem recebida produz no receptor um desequilíbrio de seus sistemas ou repertórios, desequilíbrio ou tensão que é tanto mais sério quando afeta a imagem ou idéia que o receptor tem de si mesmo. O receptor reage frente a este desequilíbrio ou tensão criado na sua mente, e a reação pode tomar variadas formas, algumas das quais são as seguintes:

- fecha-se à mensagem e a ignora totalmente (pelo menos no plano consciente);
 - aceita-a e incorpora-a ao seu repertório de idéias e experiências, modificando-a na passagem pelo seu repertório de intenções, e objetivos;
- aceita parcialmente a mensagem e comunica à fonte este fato, ou pede mais dados e explicações;
- sente-se ameaçada ou insultada pela mensagem, e reage violentamente tomando alguma ação externa contra a fonte;
- outras reações.
O professor que presta atenção a essas reações, que chamamos retroinformação (feed-back) encontra nelas a forma para reajustar suas mensagens, o que exige uma grande flexibilidade mental, uma abertura psicológica para Ievar em conta o efeito produzido nos repertórios mentais do aluno. Daí a importância da imagem que o professor tem do aluno. A eficiência da comunicação depende do emprego que o professor faz da retroinformação. O aluno também necessita de retroinformação, o mais imediatamente possível, para reajustar seus processos de percepção, decodificação e interpretação. A solução mais completa é o diálogo em todas as suas formas.
É importante destacar que os processos da recepção da mensagem ocorrem todos simultaneamente e interagindo uns com os outros.
Podemos dizer, sem medo de errar, que a estrutura mental do receptor condiciona a recepção e aceitação de mensagem.

e) A estrutura do conteúdo

Foi destacada a importância da estrutura mental do receptor na aceitação e assimilação de uma mensagem. Agora precisamos demonstrar que tal assimilação depende da estrutura própria da matéria a ser comunicada. Os estudos mostram que a comunicação é facilitada se estruturarmos nossa mensagem de maneira que o receptor perceba a sua estrutura, ou seja, a relação existente entre os diversos conhecimentos isolados.
  
f) O tratamento da mensagem

Não é somente sua estrutura ou organização interna, contudo, o que faz didática uma mensagem. Também o tratamento ou estilo de sua apresentação é relevante. É esse tratamento da mensagem que faz a diferença entre o professor agradável e o professor maçante.
Para terminar esta teorização do processo da comunicação, mencionamos três conceitos úteis: interferência, redundância e paralinguagem.
Interferência é tudo o que faz a comunicação menos fiel e menos eficiente. Na situação de aula podem constituir interferência a luz da janela lateral que torna ilegível o que está escrito no quadro-negro e as marteladas dos pedreiros que estão reparando os banheiros da escola. As interferências podem ter outras bases, como o gaguejar do professor ou seu tique nervoso que distrai os alunos.
Redundância é uma repetição ou reiteração de uma idéia ou de um signo visando à melhor percepção e compreensão por parte dos alunos. A redundância é de certo modo uma proteção contra as interferências. Um exemplo é quando o professor deseja complementar sua exposição oral com meios visuais, e ainda distribui folhas xerografadas. A redundância ou repetição é uma garantia contra a infidelidade da recepção.
Paralinguagem refere-se às mensagens secundárias que o professor transmite, às vezes involuntariamente, ao mesmo tempo que entrega sua mensagem principal.
Digamos que ele tenha passado uma noite má; os alunos podem perceber esse fato pela paralinguagem: o professor tem olhos vermelhos, suas mãos tremem ao segurar o giz, sua fala soa cansada e distraída etc.
  
g) Conclusão

Em resumo, a comunicação é um processo de inter-relação entre pessoas, que se caracteriza por empregar signos ou códigos para formular mensagens e transmiti-Ias por diversos meios, visando a influir sobre os repertórios mentais de outras pessoas. A situação ou contexto em que tem lugar a comunicação é importante.
A compreensão de que o significado não é propriedade exclusiva da mensagem, mas uma resultante de sua interação com os repertórios do receptor, é essencial para ser um comunicador eficiente. Somente quem sabe que o significado depende mais da pessoa que escuta do que da mensagem emitida, preocupa-se em conhecer bem o receptor, em estimular o diálogo com ele e em ajustar suas mensagem à retroinformação dele recebida.
  
 APLlCAÇÕES

Que conseqüências têm estas colocações teóricas no melhoramento da comunicação professor-aluno? Tomemos um por um os elementos básicos do processo: fonte, mensagem, meio e receptor, e vejamos algumas hipóteses de solução.

1) A fonte: o professor

- Ter intenções e objetivos claros. Fazer com que os alunos os conheçam, chegando com os mesmos a uma concordância ou consenso de objetivos básicos.
- Desenvolver a empatia ou capacidade de se colocar no lugar do aluno.
- Desenvolver uma atitude positiva e construtiva com respeito aos alunos e de otimismo em relação ao seu potencial de crescimento.
- Procurar o aumento e enriquecimento dos repertórios do aluno.
- Organizar as idéias de forma flexível e aberta. Isto exige um amplo e profundo domínio da matéria, pois somente as pessoas seguras podem dar-se ao luxo de não ter medo da discussão.
    - Manter um constante esforço para receber retroinformação, verificando se os alunos entenderam a exposição e os termos nela usados.
- Analisar a estrutura interna dos diversos assuntos do curso bem como os diferentes problemas de comunicação que apresentam, para planejar uma estratégia didática adequada para cada tipo de problema.

2) A mensagem: a matéria ensinada e as orientações do professor

A primeira condição para a mensagem é que seja percebida clara e nitidamente pelos alunos. Voz alta, palavras bem articuladas, letras grandes, figuras claras sem muitos detalhes, bom contraste de cores, é o mínimo que o professor pode fazer para comunicar.
- A mensagem deve ter uma organização não somente lógica, mas também psicológica. Deve começar com um elemento que desperte a atenção e provoque tensão ou desafio nos alunos: pergunta, afirmação chocante, problema, situação conflitante, dados novos ou originais.
- A exposição deve ter em vista mais os alunos que a matéria em si, isto é, deve tentar propor perguntas de interesse para o aluno mais do que recitar as soluções já conhecidas pelo professor.
-                              A tentação de expor o tempo todo deve ser evitada. A exposição será apenas um instrumento para mobilizar o pensamento e as contribuições dos alunos.
O professor que aceita a contribuição dos alunos ficará surpreso ao verificar quantas palavras poderia poupar por hora de aula. Muito do que o professor se considera obrigado a transmitir, já existe na experiência ou, no sentido comum dos alunos.
- Cada tipo de mensagem didática deve receber o tratamento exigido pelo tipo de aprendizagem envolvido e pelo correspondente problema de comunicação (ver Gagné), o que deve ser feito sempre com amenidade e simplicidade, utilizando tanto quanto possível termos familiares e explicando com comparações e exemplos o significado e alcance dos novos termos introduzidos.
- As idéias mais importantes deverão ser repetidas sob formas diferentes para não causar monotonia.

3) Os meios

Recomenda-se:
- Estimular os alunos a usarem canais diversos de informação e aprendizagem, além de escutar o próprio professor, contribuindo assim para enriquecer seu repertório de meios e melhor prepara-lo para aprender a aprender.
- Planejar as atividades didáticas, seja de tipo individual, grupal ou coletivo, em uma forma equilibrada, introduzindo cada meio ou técnica de acordo com suas próprias características.
- Combinar vários meios de comunicação de modo que cada um reforce e complemente o que o outro apresenta.

4) O receptor

Construir uma atmosfera de confiança e amizade entre os alunos, para que suas atitudes sejam positivas em relação ao professor e sua disciplina.
- Estimular nos alunos uma atitude permanente de curiosidade intelectual, para que desejem enriquecer seu repertório de idéias e experiências.
- Conseguir que associem a imagem do professor com um sentimento de suspense e de expectativa: "O professor que traz algo novo".
- Partir do nível em que os alunos estão e ajudá-los a comprovar seu próprio progresso, dando-lhes oportunidades de verificar a crescente validez de suas contribuições.
- Promover o desenvolvimento da empatia nos alunos, bem como o respeito às opiniões e pontos de vista alheios.
 - Dar aos alunos que possuem um ritmo de assimilação mais lento, a oportunidade de "digerir" a informação.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:

BORDENAVE, Juan Díaz;.PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2003.