Blog “Educação, Didática,
Pedagogia e Andragogia”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
INTRODUÇÃO
Iniciamos nosso estudo de Didática situando-a no
conjunto dos conhecimentos pedagógicos e esclarecendo seu papel na formação
profissional para o exercício do magistério. Do mesmo modo que o professor, na
fase inicial de cada aula, deve propor e examinar com os alunos os objetivos,
conteúdos e atividades que serão desenvolvidos, preparando-os para o estudo da
disciplina, este texto também contém o delineamento dos temas, indicando
objetivos a alcançar no processo de assimilação consciente de conhecimentos e
habilidades.
Este texto tem como objetivos compreender a
Didática como um dos ramos de estudo da Pedagogia, justificar a subordinação do
processo didático a finalidades educacionais e indicar os conhecimentos
teóricos e práticos necessários para orientar a ação pedagógico-didática na
escola.
Consideraremos, em primeiro lugar, que o processo
de ensino — objeto de estudo da Didática — não pode ser tratado como atividade
restrita ao espaço da sala de aula. O trabalho docente é uma das modalidades
específicas da prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade. Para
compreendermos a importância do ensino na formação humana, é preciso
considerá-lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em
sociedade. A ciência que investiga a teoria e a prática da educação nos seus
vínculos com a prática social global é a Pedagogia. Sendo a Didática uma
disciplina que estuda os objetivos, os conteúdos, os meios e as condições do
processo de ensino tendo em vista finalidades educacionais, que são sempre
sociais, ela se fundamenta na Pedagogia; é, assim, uma disciplina pedagógica.
Ao estudar a educação nos seus aspectos sociais,
políticos, econômicos, psicológicos, para descrever e explicar o fenômeno
educativo, a Pedagogia recorre à contribuição de outras ciências como a
Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Economia. Esses estudos
acabam por convergir na Didática, uma vez que esta reúne em seu campo de
conhecimentos objetivos e modos de ação pedagógica na escola. Além disso, sendo
a educação uma prática social que acontece numa grande variedade de
instituições e atividades humanas (na família, na escola, no trabalho, nas
igrejas, nas organizações políticas e sindicais, nos meios de comunicação de
massa etc.), podemos falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia política
etc. e, também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem-se disciplinas
propriamente pedagógicas tais como a Teoria da Educação, Teoria da Escola,
Organização Escolar, destacando-se a Didática como Teoria do Ensino.
Nesse conjunto de estudos indispensáveis à formação
teórica e prática dos professores, a Didática ocupa um lugar especial. Com
efeito, a atividade principal do profissional do magistério é o ensino, que
consiste em dirigir, organizar, orientar e estimular a aprendizagem escolar dos
alunos. É em função da condução do processo de ensinar, de suas finalidades,
modos e condições, que se mobilizam os conhecimentos pedagógicos gerais e
específicos.
Neste texto serão tratados os seguintes temas:
1- Prática educativa e sociedade;
2- Educação, instrução e ensino;
3- Educação Escolar, Pedagogia e Didática;
4- Didática e a formação profissional dos
professores.
PRÁTICA EDUCATIVA E SOCIEDADE
O trabalho docente é parte integrante do processo
educativo mais global pelo qual os membros da sociedade são preparados para a
participação na vida social. A educação — ou seja, a prática educativa — é um
fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência
e funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da
formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades
físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e transformadora
nas várias instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa
nem prática educativa sem sociedade. A prática educativa não é apenas uma
exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos
dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio
social e a transformá-lo em função de necessidades econômicas, sociais e
políticas da coletividade.
Através da ação educativa o meio social exerce
influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas
influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e
transformadora em relação ao meio social. Tais influências se manifestam
através de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir,
técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos,
transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações. Em sentido
amplo, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio
social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e
inevitável pelo simples fato de existirem socialmente; neste sentido, a
prática educativa existe numa grande variedade de instituições e atividades
sociais decorrentes da organização econômica, política e legal de uma
sociedade, da religião, dos costumes, das formas de convivência humana. Em sentido
estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não,
com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente,
deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos formativos
gerais.
Os estudos que tratam das diversas modalidades de
educação costumam caracterizar as influências educativas como não-intencionais
e intencionais. A educação não-intencional refere-se às influências do
contexto social e do meio ambiente sobre os indivíduos. Tais influências,
também denominadas de educação informal, correspondem a processos de aquisição
de conhecimentos, experiências, idéias, valores, práticas, que não estão
ligados especificamente a uma instituição e nem são intencionais e conscientes.
São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não
organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das
formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas
na família, no trabalho, na comunidade, dos grupos de convivência humana, do
clima sócio-cultural da sociedade.
A educação intencional refere-se a
influências em que há intenções e objetivos definidos conscientemente, como é o
caso da educação escolar e extra-escolar. Há uma intencionalidade, uma consciência
por parte do educador quanto aos objetivos e tarefas que deve cumprir, seja ele
o pai, o professor, ou os adultos em geral — estes, muitas vezes, invisíveis
atrás de um canal de televisão, do rádio, do cartaz de propaganda, do
computador etc. Há métodos, técnicas, lugares e condições específicas prévias
criadas deliberadamente para suscitar idéias, conhecimentos, valores, atitudes,
comportamentos. São muitas as formas de educação intencional e, conforme o
objetivo pretendido, variam os meios. Podemos falar da educação não-formal
quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar
convencional (como é o caso de movimentos sociais organizados, dos meios de
comunicação de massa etc.) e da educação formal que se realiza nas escolas ou
outras agências de instrução e educação (igrejas, sindicatos, partidos,
empresas) implicando ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos,
sistematização, procedimentos didáticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a
educação propriamente escolar se destaca entre as demais formas de educação
intencional por ser suporte e requisito delas.
Com efeito, é a escolarização básica que
possibilita aos indivíduos aproveitar e interpretar, consciente e criticamente,
outras influências educativas. É impossível, na sociedade atual, com o
progresso dos conhecimentos científicos e técnicos, e com o peso cada vez maior
de outras influências educativas (mormente os meios de comunicação de massa), a
participação efetiva dos indivíduos e grupos nas decisões que permeiam a
sociedade sem a educação intencional e sistematizada provida pela educação
escolar.
As formas que assume a prática educativa, sejam
não-intencionais ou intencionais, formais ou não-formais, escolares ou
extra-escolares, se interpenetram. O processo educativo, onde quer que se dê, é
sempre contextualizado social e politicamente; há uma subordinação à sociedade
que lhe faz exigências, determina objetivos e lhe provê condições e meios de
ação. Vejamos mais de perto como se estabelecem os vínculos entre sociedade e
educação.
Conforme dissemos, a educação é um fenômeno social.
Isso significa que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas,
políticas e culturais de uma determinada sociedade. Na sociedade brasileira
atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com
interesses distintos e antagônicos; esse fato repercute tanto na organização
econômica e política quanto na prática educativa. Assim, as finalidades e meios
da educação subordinam-se à estrutura e dinâmica das relações entre as classes
sociais, ou seja, são socialmente determinados.
Que significa a expressão “a educação é socialmente
determinada”? Significa que a prática educativa, e especialmente os objetivos e
conteúdos do ensino e o trabalho docente, estão determinados por fins e
exigências sociais, políticas e ideológicas. Com efeito, a prática educativa
que ocorre em várias instâncias da sociedade — assim como os acontecimentos da
vida cotidiana, os fatos políticos e econômicos etc. — é determinada por
valores, normas e particularidades da estrutura social a que está subordinada.
A estrutura social e as formas sociais pelas quais a sociedade se organiza são
uma decorrência do fato de que, desde o início da sua existência, os homens
vivem em grupos; sua vida está na dependência da vida de outros membros do
grupo social, ou seja, a história humana, a história da sua vida e a história
da sociedade se constituem e se desenvolvem na dinâmica das relações sociais.
Este fato é fundamental para se compreender que a organização da sociedade, a
existência das classes sociais, o papel da educação estão implicados nas formas
que as relações sociais vão assumindo pela ação prática concreta dos homens.
Desde o início da história da humanidade, os
indivíduos e grupos travam relações recíprocas diante da necessidade de
trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência. Essas relações vão
passando por transformações, criando novas necessidades, novas formas de
organização do trabalho e, especificamente, uma divisão do trabalho conforme
sexo, idade, ocupações, de modo a existir uma distribuição das atividades entre
os envolvidos no processo de trabalho. Na história da sociedade, nem sempre
houve uma distribuição por igual dos produtos do trabalho, tanto materiais quanto
espirituais. Com isso, vai surgindo nas relações sociais a desigualdade
econômica e de classes. Nas formas primitivas de relações sociais, os
indivíduos têm igual usufruto do trabalho comum. Entretanto, nas etapas
seguintes da história da sociedade, cada vez mais se acentua a distribuição
desigual dos indivíduos em distintas atividades, bem como do produto dessas
atividades. A divisão do trabalho vai fazendo com que os indivíduos passem a
ocupar diferentes lugares na atividade produtiva. Na sociedade escravista, os
meios de trabalho e o próprio trabalhador (escravo) são propriedades dos donos
de terras; na sociedade feudal, os trabalhadores (servos) são obrigados a
trabalhar gratuitamente as terras do senhor feudal ou a pagar-lhe tributos.
Séculos mais tarde, na sociedade capitalista, ocorreu uma divisão entre os
proprietários privados dos meios de produção (empresas, máquinas, bancos,
instrumentos de trabalho etc.) e os que vendem a sua força de trabalho para
obter os meios da sua subsistência, os trabalhadores que vivem do salário.
As relações sociais no capitalismo são, assim,
fortemente marcadas pela divisão da sociedade em classes, onde capitalistas e
trabalhadores ocupam lugares opostos e antagônicos no processo de produção. A
classe social proprietária dos meios de produção retira seus lucros da
exploração do trabalho da classe trabalhadora. Esta, à qual pertencem cerca de
70% da população brasileira, é obrigada a trocar sua capacidade de trabalho por
um salário que não cobre as suas necessidades vitais e fica privada também da
satisfação de suas necessidades espirituais e culturais. A alienação econômica
dos meios e produtos do trabalho dos trabalhadores, que é ao mesmo tempo uma
alienação espiritual, determina desigualdade social e conseqüências decisivas
nas condições de vida da grande maioria da população trabalhadora. Este é o
traço fundamental do sistema de organização das relações sociais em nossa
sociedade.
A desigualdade entre os homens, que na origem é uma
desigualdade econômica no seio das relações entre as classes sociais, determina
não apenas as condições materiais de vida e de trabalho dos indivíduos, mas
também a diferenciação no acesso à cultura espiritual, à educação. Com efeito,
a classe social dominante retém os meios de produção material como também os
meios de produção cultural e da sua difusão, tendendo a colocá-la a serviço dos
seus interesses. Assim, a educação que os trabalhadores recebem visa
principalmente prepará-los para trabalho físico, para atitudes conformistas,
devendo contentar-se com uma escolarização deficiente. Além disso, a minoria
dominante dispõe de meios de difundir a sua própria concepção de mundo (idéias,
valores, práticas sobre a vida, o trabalho, as relações humanas etc.) para
justificar, ao seu modo, o sistema de relações sociais que caracteriza a
sociedade capitalista. Tais idéias, valores e práticas, apresentados pela
minoria dominante como representativos dos interesses de todas as classes
sociais, são o que se costuma denominar de ideologia. O sistema educativo,
incluindo as escolas, as igrejas, as agências de formação profissional, os
meios de comunicação de massa, é um meio privilegiado para o repasse da
ideologia dominante.
A prática educativa, portanto, é parte integrante
da dinâmica das relações sociais, das formas da organização social. Suas
finalidades e processos são determinados por interesses antagônicos das classes
sociais. No trabalho docente, sendo manifestação da prática educativa, estão
presentes interesses de toda ordem — sociais, políticos, econômicos, culturais
— que precisam ser compreendidos pelos professores. Por outro lado, é preciso
compreender, também, que as relações sociais existentes na nossa sociedade não
são estáticas, imutáveis, estabelecidas para sempre. Elas são dinâmicas, uma vez
que se constituem pela ação humana na vida social. Isso significa que as
relações sociais podem ser transformadas pelos próprios indivíduos que a
integram. Portanto, na sociedade de classes, não é apenas a minoria dominante
que põe em prática os seus interesses. Também as classes trabalhadoras podem
elaborar e organizar concretamente os seus interesses e formular objetivos e
meios do processo educativo alinhados com as lutas pela transformação do
sistema de relações sociais vigente. O que devemos ter em mente é que uma
educação voltada para os interesses majoritários da sociedade efetivamente se
defronta com limites impostos pelas relações de poder no seio da sociedade. Por
isso mesmo, o reconhecimento do papel político do trabalho docente implica a luta
pela modificação dessas relações de poder.
Fizemos essas considerações para mostrar que a
prática educativa, a vida cotidiana, as relações professor-alunos, os objetivos
da educação, o trabalho docente, nossa percepção do aluno estão carregados de
significados sociais que se constituem na dinâmica das relações entre classes,
entre raças, entre grupos religiosos, entre homens e mulheres, jovens e
adultos. São os seres humanos que, na diversidade das relações recíprocas que
travam em vários contextos, dão significado às coisas, às pessoas, às idéias; é
socialmente que se formam idéias, opiniões, ideologias. Este fato é fundamental
para compreender como cada sociedade se produz e se desenvolve, como se
organiza e como encaminha a prática educativa através dos seus conflitos e suas
contradições. Para quem lida com a educação tendo em vista a formação humana
dos indivíduos vivendo em contextos sociais determinados, é imprescindível que
desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais reais implicadas em cada
acontecimento, em cada situação real da sua vida e da sua profissão, em cada
matéria que ensina como também nos discursos, nos meios de comunicação de
massa, nas relações cotidianas na família e no trabalho.
O campo específico de atuação profissional e
política do professor é a escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos alunos
um sólido domínio de conhecimentos e habilidades, o desenvolvimento de suas
capacidades intelectuais, de pensamento independente, crítico e criativo. Tais
tarefas representam uma significativa contribuição para a formação de cidadãos
ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas lutas pela
transformação social. Podemos dizer que, quanto mais se diversificam as formas
de educação extra-escolar e quanto mais a minoria dominante refina os meios de
difusão da ideologia burguesa, tanto mais a educação escolar adquire
importância, principalmente para as classes trabalhadoras.
Vê-se que a responsabilidade social da escola e dos
professores é muito grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida e de
sociedade deve ser trazida à consideração dos alunos e quais conteúdos e
métodos lhes propiciam o domínio dos conhecimentos e a capacidade de raciocínio
necessários à compreensão da realidade social e à atividade prática na profissão,
na política, nos movimentos sociais. Tal como a educação, também o ensino é
determinado socialmente. Ao mesmo tempo em que cumpre objetivos e exigências da
sociedade conforme interesses de grupos e classes sociais que a constituem, o
ensino cria condições metodológicas e organizativas para o processo de
transmissão e assimilação de conhecimentos e desenvolvimento das capacidades
intelectuais e processos mentais dos alunos tendo em vista o entendimento
crítico dos problemas sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sintam-se à vontade para enriquecer a participação nesse blog com seus comentários. Após análise dos mesmos, fornecer-lhe-ei um feedback simples.