Blog “Educação, Didática, Pedagogia e
Andragogia”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://educacaodidaticapedagogiaeandragogia.blogspot.com.br/
Autoria:
André
Silva Martins. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Juiz de Fora.
A
EDUCAÇÃO BÁSICA NO SÉCULO XXI: O PROJETO DO ORGANISMO “TODOS PELA EDUCAÇÃO”
RESUMO
Analisa-se, no presente trabalho, o
organismo denominado “Todos pela Educação”, sob o prisma das relações de
hegemonia e suas propostas para a Educação Básica. De modo especial, examina-se
o papel dessa entidade na atual configuração da sociedade civil brasileira, bem
como sua inserção no movimento político-empresarial em curso no país na
atualidade, procurando indicar o significado de suas proposições para a
educação das massas no Brasil. O referencial teórico-metodológico é
fundamentado no pensamento gramsciano. O estudo conclui que o fortalecimento
político do organismo “Todos Pela Educação” representa um desafio para se
pensar criticamente a educação da classe trabalhadora e os fundamentos das
políticas educacionais no Brasil de hoje.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho, buscamos analisar
o organismo denominado “Todos pela Educação” sob o prisma das relações de
hegemonia no Brasil contemporâneo. De modo especial, procuramos examinar o
papel dessa entidade na atual configuração da sociedade civil brasileira, sua
inserção no movimento político-empresarial em curso no país e, por fim, o
significado de suas proposições para a educação brasileira.
O trabalho está organizado em três
partes. Na primeira, procuramos contextualizar o surgimento dessa organização
na realidade brasileira, analisar sua composição política e o significado mais
geral de suas ações no Brasil de hoje. Na segunda parte, abordamos o conteúdo e
o significado das formulações apresentadas para orientar as políticas
educacionais. Na última, apresentamos algumas considerações sobre os possíveis
impactos das propostas do organismo “Todos pela Educação” na realidade
brasileira, tendo como referência as relações de hegemonia.
O surgimento de uma nova força política
na educação. No limiar deste século, os intelectuais e as organizações do
capital assumiram um papel ainda mais decisivo no processo de estabelecimento
de bases políticas e sociais para legitimar a configuração mais recente do
capitalismo em nosso país. O desafio assumido por esses sujeitos políticos foi
o de assegurar a posição de classe dominante-dirigente e apresentar possíveis
“soluções” para os problemas gerados pelas políticas neoliberais. Para tanto,
foi necessário reconstruir o padrão de sociabilidade, o que exigiu a atualização
de estratégias pré-existentes e a produção de estratégias de novo tipo.
Essa tendência se manifestou no Brasil
mais claramente a partir da segunda metade dos anos 1990 e, de maneira mais
intensa, nos primeiros anos do novo século. O eixo central de sua intervenção
pode ser explicado pelo conceito de “repolitização da política” (NEVES, 2005).
Esse conceito explica o surgimento de fenômenos sociais importantes, tais como:
“nova cidadania” e “nova participação social”, expressas na noção de
voluntariado; “sociedade civil ativa”, refletida na idéia do deslocamento do
conflito à colaboração social; “novo Estado”, que veicula a configuração do
modelo gerencial.
Segundo Neves (2005), estamos vivendo em
tempos de uma nova pedagogia da hegemonia, inspirada no projeto de atualização
da agenda da social-democracia no mundo, denominado de neo-liberalismo da
Terceira Via.O projeto, inserido em diferentes formações sociais, sintetiza um
conjunto de orientações e diretrizes que, segundo seus formuladores,
localiza-se num “meio termo”, algo entre a social-democracia clássica e o
neoliberalismo ortodoxo (GIDDENS, 2001a; 2001b).
Os governos e organizações da sociedade
civil envolvidas com esse projeto passaram a atuar em: (a) ações destinadas a
redefinir o sentido da organização e participação historicamente construídas
pelos trabalhadores, com o objetivo de assegurar o retorno ou a permanência de
significativas parcelas da classe no plano mais elementar do nível de
consciência política coletiva, dificultando, assim, a compreensão crítica das
relações sociais capitalistas; (b) ações dirigidas para pacificar e/ou refuncionalizar
o maior número possível de organizações dos trabalhadores identificados
historicamente com lutas pela ampliação de direitos sociais e motivados por
projetos alternativos de sociedade, visando a diminuir as resistências e protestos
contra a dinâmica capitalista; e, por fim, (c) ações de estímulo e
fortalecimento à proliferação de grupos de interesses motivados por bandeiras e
demandas que não conflitam com a lógica central do sistema capitalista,
incentivando o pluralismo sem identidade de classe
Compartilhando da tese da existência de
uma nova pedagogia da hegemonia, Martins (2007) demonstra que há um intenso
movimento das forças do capital em produzir uma nova educação política com o
objetivo de difundir referências simbólicas e materiais para consolidar um
padrão de sociabilidade afinado com as necessidades do capitalismo contemporâneo.
De acordo com o autor, iniciativas que visam a reduzir a sociedade civil à
noção de “terceiro setor” ou “sociedade civil ativa”, incentivar as práticas de
“voluntariado” e legitimar as empresas como “cidadãs”, ou organismos
“socialmente responsáveis”, são exemplos da atuação das forças do capital para
produzir a nova sociabilidade. Essas iniciativas acabaram resultando na
reeducação da própria classe burguesa, permitindo o surgimento de uma “direita
para o social”, ou seja, um amplo agrupamento de empresários que passa a atuar
na ampliação dos horizontes de luta política por meio de intervenções
sistemáticas nas “questões sociais”.
A valorização da educação escolar nos
termos propostos pela “direita para o social”, além de responder aos requisitos
da formação técnica mais elementar para o trabalho simples, procura também se
converter numa importante referência de formação de valores e comportamentos
sociais das futuras gerações de trabalhadores. De modo geral, essa tendência
pode ser verificada nas proposições dos organismos internacionais que há
décadas vêm orientando a formação do cidadão-trabalhador no Brasil e na América
Latina (LEHER, 1999; KRUPPA, 2001; MELLO, 2004).
Sobre esse ponto, duas obras se
constituem como referência: Wood (2003), numa perspectiva crítica, e Garisson
(2000) numa perspectiva de legitimação da tendência assinalada. Na perspectiva
da classe empresarial, os índices dramáticos da escolarização das massas nos
países periféricos indicavam a necessidade de alterações na formação humana
tanto no aspecto técnico quanto no ético-político, para assegurar a consolidação
do capitalismo em sua nova fase. Ampliar o acesso à educação escolar para a
preparação de homens e mulheres para o novo século, ainda que sob parâmetros
restritos, se configurou como uma exigência a ser enfrentada pelas forças do
capital.
Podem ser tomados como referências do
esforço para reorientar a educação das massas a Conferência Mundial de Educação
para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Cúpula Mundial de
Educação, realizada em Dakar, no Senegal, em 2000, eventos coordenados pela
UNESCO e pelo Banco Mundial. Cumpre destacar que a lógica restritiva de
ampliação do acesso à educação proposta pelos fóruns e organismos
internacionais significa apenas a universalização da “educação primária”.
De acordo com Pinto (2002), no caso
brasileiro, entre os anos de 1995 e 2002, essas orientações resultaram na
ênfase no Ensino Fundamental, na expansão progressiva do Ensino Médio, na
valorização da Educação Profissional aligeirada, na restrição dos investimentos
no setor educacional e em políticas de incentivo à privatização. Associada a
essas orientações foi difundida a idéia de que o sucesso da educação dependeria
do envolvimento e do empenho de “todos”, indivíduos e organizações.
Foi nesse contexto de definições que
surgiu o organismo Todos pela Educação (TPE) portando propostas e enunciados
para reorientar a Educação Básica no Brasil. O TPE foi criado, em 2005, por um
grupo de líderes empresariais, verdadeiros intelectuais orgânicos, que se
reuniram para refletir sobre a realidade educacional brasileira na atual
configuração do capitalismo. O grupo verificou que a baixa qualidade da
educação brasileira vinha trazendo sérios problemas para a capacidade
competitiva do país, comprometendo também o nível de coesão social dos
cidadãos. O grupo concluiu que a “incapacidade” técnica e política dos governos
na realização de políticas educacionais ao longo dos anos havia criado sérios
problemas para os interesses do capital. Diante dessas constatações, os
empresários criaram o TPE com a missão de mudar o quadro educacional do país,
principalmente no que se refere à qualidade da educação. O projeto elaborado
para impulsionar as ações do organismo foi denominado de “Compromisso Todos
pela Educação”.
A realização do congresso “Ações de
Responsabilidade Social em Educação: Melhores Práticas na América Latina” pode
ser considerada como um importante momento de afirmação do TPE no meio. Estamos
nos valendo de uma categoria gramsciana.
A
EDUCAÇÃO BÁSICA NO SÉCULO XXI: O PROJETO... EMPRESARIAL
No evento, foi possível apresentar e
legitimar politicamente o projeto “Compromisso Todos pela Educação” e
fortalecer no meio empresarial a importância de um organismo com capacidade
para defender interesses da classe na sociedade civil e intervir na definição
de políticas educacionais na aparelhagem de Estado. Os empresários brasileiros
saíram do evento com metas, estratégias, cronograma e uma significativa
mobilização para iniciar a construção de um pacto nacional em defesa da
Educação Básica brasileira.
Uma das intelectuais orgânicas da classe
empresarial apresentou, em tom de entusiasmo, em artigo publicado num
importante jornal do país, o que pode ser considerado como síntese do evento
para o TPE:
Só a educação de qualidade pode formar a
base de um novo projeto de país, mais justo e mais desenvolvido. Foi exatamente
esse o espírito do encontro na Bahia: ao analisar o triste cenário no Brasil e
na América Latina, os 250 participantes do evento chegaram à conclusão de que a
educação é, neste momento, a mais importante política pública e que assegurar a
sua qualidade, especialmente para os menos favorecidos, constitui o melhor
instrumento para reduzir nossas históricas desigualdades sociais. [...] É a
crença de que a educação deixará de ser pauta de importância secundária apenas
quando todos os setores fizerem a sua parte de forma integrada e sinérgica.
Pela primeira vez, um grupo de lideranças, apoiado por organizações da sociedade
civil e em sintonia com os governos, decidiu juntar esforços em torno de um
grande projeto educacional para o país. Como demonstração de vontade, a maioria
dos presentes subscreveu sua participação no movimento “Compromisso Todos Pela
Educação” [...].
Na prática, a adesão significa colocar
energia e recursos no cumprimento da missão de efetivar o direito à educação de
qualidade para que, em 2022, bicentenário da Independência do Brasil, todas as
crianças e jovens tenham acesso a um ensino básico que os prepare para os
desafios do século 21 (VILLELA, 2006, p. 7).
Com esse horizonte político, os
empresários estruturam o TPE de modo a transformá-lo num think tank da área
educacional, isto é, num organismo especializado em produzir e difundir
conhecimentos e idéias para educação no país. A sustentação financeira foi
montada a partir de captação de recursos privados. Os contribuintes são
apresentados como “patrocinadores” da organização e encontram-se divididos em
três níveis que variam de acordo com o valor do repasse. Ao todo, a organização
conta com
O evento foi organizado por três
organizações de origem empresarial: Fundação Coleman, Fundação Jacobs (ambas
com sede na Suíça) e Instituto Gerdau. Para outros detalhes consultar: http://www.fundacaolemann.org.br/conferencia/port/news/04.asp dez
contribuintes, entre eles: Grupo Gerdau, Grupo Suzano, Banco Itaú, Banco
Bradesco, Organizações Globo. No conjunto, destacam-se aqueles grupos com
atuação predominante no setor financeiro.
A estrutura organizacional da entidade é
bem definida em termos técnicos e políticos. É constituída por uma presidência,
ocupada por um empresário articulador da organização; um Conselho de
Governança, composto por dezesseis empresários ou representantes de empresas;
um Comitê Gestor, composto por seis dirigentes, sendo cinco deles empresários;
uma Comissão de Comunicação, composta por seis membros, todos ligados a grupos
empresariais; uma Comissão de Articulação, integrada por doze membros numa
composição mais diversa (empresários, lideranças de movimentos sociais,
representante da Igreja Católica, representante da Unesco, representante do
Ministério da Educação); uma Comissão Técnica, composta por dezesseis membros,
predominantemente por empresários; uma Comissão de Relações Institucionais,
ocupada por um empresário; e por fim, uma Equipe Executiva, composta por dez
membros (não-empresários), sob a direção de uma Presidência-Executiva a cargo
de um intelectual orgânico do capital com trajetória na educação superior.
Analisando o papel dos empresários
enquanto intelectuais orgânicos, Gramsci (2000a) observou que:
[...] o empresário representa uma
elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capa-cidade
dirigente e técnica (isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa
capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua
iniciativa, mas também em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da
produção econômica (deve ser um organizador de massa de homens, deve ser um
organizador da “confiança” dos que in-vestem em sua empresa, dos compradores de
sua mercadoria, etc.). Se não todos os empresários, pelo menos uma elite deles
deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo complexo
organismo de serviço, até o organismo estatal, tendo em vista a necessidade de
criar as condições mais favoráveis à expansão da própria
O Grupo Gerdau (ligado ao setor de metalurgia)
ocupa a chamada “cota ouro” e se destaca como principal patrocinador da
entidade (consultar: http://todospelaeducacao.org,br). Embora na
página da TPE não estejam disponíveis os valores das doações, estima-se que os
mesmos girem em torno de cifras consideráveis. Essa inferência se baseia no
volume de gastos do Grupo em projetos de responsabilidade social, especialmente
os identificados como da área da Educação, apurados na análise do Relatório
Anual da empresa. O documento referente ao exercício de 2007 revela que foram
gastos 72,7 milhões de reais em projetos de “responsabilidade social”.
O relatório revela também que, do total
dos gastos, 63,9 milhões de reais foram aplicados em Educação, onde se contabiliza,
explicitamente, o financiamento do Grupo à organização Todos pela Educação,
ainda que não sejam detalhados os valores. Para maiores detalhes consultar:
Grupo Gerdau (2008).
Se no passado o próprio empresariado
brasileiro encarregava-se diretamente das formulações de suas entidades, se
mais recentemente, com a complexificação da ação política, os empresários
dividiram essas ações com “empregados especializados”, como revela Rodrigues
(1998) em seu estudo sobre a Confederação Nacional das Indústrias, é possível
verificar que no TPE essa tendência se confirma em novas condições, pois os
“prepostos” parecem formular ao lado dos empresários, e não só a partir deles,
assumindo inclusive funções de direção, num regime de compartilhamento de
responsabilidades.
É importante considerar também que o envolvimento
de diferentes intelectuais no TPE não se limitou à composição de suas
instâncias internas de poder. O organismo vem atuando para assimilar um número
cada vez maior de intelectuais orgânicos em torno de seus interesses,
procurando, assim, ampliar o alcance de suas iniciativas político-ideológicas.
O evento que lançou o projeto
“Compromisso Todos pela Educação”, realizado em setembro de 2006, em São Paulo,
foi uma prova dessa tendência. Ao divulgar as bases do projeto, o TPE propôs
que fosse selado um compromisso em defesa da educação pública. Assim,
empresários de peso da economia brasileira, representantes das três esferas de
poder (municipal, estadual e federal), dirigentes do Conselho Nacional de Secretários
de Educação - CONSED e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação -
UNDIME, e representantes de diferentes organizações da sociedade civil passaram
a unir esforços em torno de um projeto único para a educação do país. A unidade
política passou a ser denominada de “uma ampla aliança intersetorial” em defesa
de um projeto de nação (GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS, 2007; TODOS
PELA EDUCAÇÃO, 2007).
A chamada aliança intersetorial não
substituiu o trabalho do TPE como um “aparelho privado de hegemonia” (GRAMSCI,
2000b); ao contrário, aumentou sua responsabilidade e peso político. O fato de
envolver um grande número de organismos e pessoas não limita sua função de
direção e coordenação política de ações para implementar metas, monitorar as
ações, avaliar os resultados e, ainda, difundir o preceito da colaboração
social para o conjunto da sociedade.
Segundo dados do TPE, em abril de 2008,
a organização contava com mais de 300 adesões entre empresas, associações e
fundações de diferentes origens. Ver http://www.todospelaedu-cacao.org.br. Acesso em ago.
2008.
A formulação que orienta o TPE na organização
da “vontade coletiva” é assim descrita: “sem educação de qualidade para todos,
o país jamais será competitivo, jamais oferecerá oportunidades iguais de
crescimento para todos os seus cidadãos, jamais terá um desenvolvimento com
justiça e com eqüidade”. (VILLELA, 2006, p.3).
Todo esse movimento promovido pelo TPE
confirma que setores importantes da classe empresarial no país alcançaram um
nível mais elevado de consciência política, o nível ético-político, neste
início de século. Com o referencial gramsciano de análise, é possível verificar
também que os esforços coordenados pela entidade se constituíram numa
articulada estratégia de hegemonia no campo educacional, abrangendo, pelo
menos, duas linhas centrais: (1) orientar uma percepção social de que a
sociedade civil se transformou numa instância harmoniosa em que os antagonismos
perdem a relevância, pois o mais importante seria o predomínio da “coesão
cívica”, da “nova cidadania” e da “colaboração” social; (2) legitimar uma
determinada leitura da realidade educacional e também uma determinada
perspectiva para a Educação Básica.
SOBRE
AS PROPOSIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
De fato, a atuação empresarial na
educação não se constitui num dado novo. Ao longo de nossa história, a classe
se empenhou para demarcar o seu campo político e traduzir nas leis e em espaços
educativos específicos seus interesses e objetivos na educação (NEVES, 1994,
2000; RODRIGUES, 1998). Mas, deve-se considerar que a criação de um organismo
específico para propor e articular ações em defesa da escola pública e de
qualidade para todos é um elemento novo em nossa história. O protagonismo
empresarial na definição dos rumos da educação no país e o discurso de que tal
iniciativa refere-se a um projeto de nação em nome do bem-comum exigem
reflexões.
Nessa linha, o primeiro aspecto que
precisa ser analisado refere-se à formulação geral da entidade, ao destacar a
importância da educação para o cidadão e para o país no mundo de hoje. A
formulação é assim expressa: “o Brasil só será verdadeira-mente independente quando
todos seus cidadãos tiverem uma Educação de qualidade” (TODOS PELA EDUCAÇÃO,
2008, s.p. grifos nossos). Mas qual o significado desse slogan?
A noção de “independência” nos remete ao
conceito de soberania (BOBBIO; MATTEUCCI; PAS-7. Sobre níveis de consciência
política coletiva, ver Gramsci (2000b), QUINO (2004) e a temas como a
subordinação do país na nova divisão internacional do trabalho (TA-VARES,
1998), a adaptação e integração também subordinada dos países ao movimento de
mundia-lização das finanças (CHESNAIS, 2005), a posição dos países diante da nova
fase do imperialismo (FONTES, 2006).
Num primeiro momento, a noção de
“independência” sugere que os empresários seriam portadores de um projeto de
refundação do capitalismo no país sob o princípio da autonomia, ou seja, de
não-subordinação internacional. Entretanto, o que se ob-serva na atualidade, a
partir de estudos (BIANCHI, 2001; DINIZ, 2000, 2002) e de documentos (FIESP,
1990; KPMG, 2000), é que tal perspectiva não se apresenta como opção dos
empresários brasileiros.
O entendimento que ainda predomina nessa
classe é a manutenção da tendência histórica, assinalada por Fernandes (1981),
de busca pela inserção dependente na ordem internacional, em nome do lucro a
qualquer custo. Por esse ângulo de análise, a noção de “in-dependência”
apresentada atinge um patamar tão elevado de abstração que perde vínculos com o
movimento do real, ficando sem qualquer capacidade explicativa, tornando-se um
enunciado vazio de conteúdo. Mas é necessário considerar que o esvaziamento
conceitual não implica necessariamente a diminuição do potencial político de
agregação de pessoas e forças sociais em torno do projeto de educação para o
país.
O segundo ponto de destaque relaciona-se
a um princípio político que se desdobra numa estratégia de ação. No
entendimento do TPE, a melhoria da qualidade da educação brasileira só poderá
ser alcançada mediante uma ampla mobilização de forças composta por “atores” da
sociedade civil e por órgãos da sociedade política. As noções de
co-responsabilidade e de parceria constituem-se como referências centrais da
proposição. O posicionamento é assim apresentado: “O ponto central da nossa
estratégia é a co-responsabilidade pelo todo, que se traduz na atuação
convergente, complementar e sinérgica entre as políticas públicas, a iniciativa
privada e as organizações sociais” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2008, s.p.). De modo
mais amplo, o conteúdo dessas noções está ligado ao entendimento de que a
relação entre sociedade civil e sociedade política deve ser modificada a partir
de novos princípios, como propõe o projeto neoliberal da Terceira Via.
Sobre essa temática, Bresser-Pereira
(1999) defende que a sociedade civil precisa ser democratizada para permitir a
realização de uma profunda reforma do aparelho de Estado, visando ao avanço,
modernização e crescimento do país. Para o autor, o fenômeno da democratização
tem permitido à sociedade civil assumir um papel mais ativo, de modo que tal
tendência deveria orientar os processos atuais de reforma do aparelho de
Estado. Em sua formulação, institutos e/ou fundações passariam a prestar serviços
públicos, sem almejar lucro, criando, assim, os chamados “espaços públicos não
estatais”, dando uma nova configuração à sociedade civil e um novo sentido à
relação dessa instância com o aparelho de Estado em favor do desenvolvimento do
país. Partindo de outro referencial, Neves (2005) afirma que a mudança da relação
entre sociedade civil e aparelho de Estado seria uma expressão do movimento de
“repolitização da política”, cuja meta central seria substituir os conflitos e
os antagonismos pela noção de colaboração e coesão cívica ou social.
A perspectiva crítica de análise sobre
sociedade civil e aparelho de Estado, acima referenciada, oferece elementos
para afirmar que a proposição de “parceria” (ou co-responsabilidade) defendida pelo
TPE reforça as estratégias de dominação presentes no Brasil de hoje, justamente
por explicitar que em nome da educação é necessário um novo “pacto social” e a
renúncia a projetos alternativos de educação em favor das proposições
empresariais.
O terceiro ponto da análise envolve as
“metas” propostas pelo TPE para a educação pública brasileira, que estão assim
descritas:
Meta
1 – Acesso:
Até 2022, 98% ou mais das crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar
matriculados e freqüentando a escola.
Meta
2 – Alfabetização: Até 2010, 80% ou mais, e até 2022, 100% das
crianças deverão apresentar as habilidades básicas de leitura e escrita até o
final da 2ª série (ou 3º ano) do Ensino Fundamental.
Meta
3 – Qualidade:
Até 2022, 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é essencial para a sua
série”. Ficou definido, então, que 70% dos alunos da 4ª e 8ª séries do Ensino
Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio do conjunto de alunos das redes
pública e privada deverão ter desempenhos superiores a respectivamente 200, 275
e 300 pontos na escala de Português do SAEB, e superiores a 225, 300 e 350
pontos na escala de Matemática.
Meta
4 – Conclusão:
Até 2022, 95% ou mais dos jovens brasileiros de 16 anos deverão ter completado
o Ensino Fundamental e 90% ou mais dos jovens brasileiros de 19 anos deverão
ter completado o Ensino Médio.
Meta
5 – Investimento:
Até 2010, mantendo até 2022, o investimento público em Educação Básica deverá
ser de 5% ou mais do PIB. (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2007, p. 4).
Nesse mesmo documento o TPE avalia que o
Brasil, apesar dos esforços recentes, não apresenta eficiência no que se refere
às políticas para educação por dois motivos principais: incapacidade de definir
mecanismos de acompanhamento e de avaliação; imprecisão no estabelecimento de
objetivos quantitativos parciais e finais de seus projetos.
Em síntese, para o TPE, as boas
intenções políticas seriam prejudicadas pela incapacidade técnico-operacional
dos governos e pela falta de instrumentos democráticos de controle social. Para
uma exata dimensão da proposta do TPE basta recorrer às formulações sobre
educação que estiveram em disputa recentemente na realidade brasileira. O Plano
Nacional de Educação — proposta da sociedade brasileira, aprovado, em 1997, no
II Congresso Nacional de Educação (CONED), e posteriormente encaminhado como
projeto de lei na Câmara Federal pelo Deputado Ivan Valente, previa que os
investimentos em educação deveriam ser da ordem de 10% do Produto Interno Bruto
(PIB), num prazo de dez anos, e que, posteriormente a esse período, os
investimentos deveriam ser mantidos em 6% para permitir a manutenção do
sistema.
Do outro lado do campo de batalhas, o
bloco majoritário na legislatura de 1999-2002 aprovou a Lei nº 10.172, de 09 de
janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional da Educação. A lei previa que
os investimentos em educação deveriam alcançar num prazo de dez anos o índice
de 7% do PIB, crescendo 0,5% nos quatro primeiros anos e 0,6% no quinto ano,
algo que não chegou a ocorrer em função dos vetos do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, e da manutenção dos mesmos no governo Lula da Silva, tornando
a lei aprovada inócua.
Os investimentos defendidos pelo TPE, em
termos percentuais, são inferiores aos citados acima. Para esse organismo, o
Brasil deve alcançar o patamar de 5% do PIB até 2021. A linha adotada
assemelha-se às interpretações do Banco Mundial nos anos de 1990, quando
afirmava que os recursos para educação eram suficientes, o problema relacionava-se
à falta de eficiência.
Para auxiliar o dimensionamento dos
índices de investimentos em educação e o significado da proposição do TPE é
importante resgatar a proposta de Saviani (2002). O autor defendeu que para que
o Brasil atingisse um patamar de investimentos em educação semelhante ao dos
países centrais seriam necessários aumentos significativos de investimentos.
Para ele, isso significaria apostar numa imediata duplicação do PIB investido
em educação, permitindo um salto imediato de 4% para 8%. Isso permitiria, em
sua avaliação, criar as condições iniciais para a superação do déficit
histórico educacional brasileiro com repercussões positivas em todos os níveis
da educação.
Quanto às possibilidades reais de efetivação
da proposta, o autor argumenta que muitos países realizaram, e ainda realizam,
investimentos nesse patamar. Esses dados nos ajudam a compreender que 5% do PIB
em educação, como proposto pelo TPE, são insuficientes para realizar mudanças
substantivas no país, ficando abaixo das proposições acima retratadas. Talvez o
baixo nível de investimentos ajude a explicar o silêncio da entidade sobre
outros temas importantes para se pensar a educação para o século XXI, tais
como: valorização do magistério, democratização da gestão educacional e criação
de um Sistema Nacional de Educação.
Tudo indica que a expectativa dos
empresários gire em torno da construção de novas subjetividades identificadas
com o capital, no plano valorativo, e da elevação mínima do patamar de
racionalidade da força de trabalho, no plano técnico-científico, viabilizando,
mais facilmente, a difusão dos parâmetros da nova sociabilidade e a legitimação
dos empresários como classe dirigente e dominante.
O
SIGNIFICADO POLÍTICO DO “TODOS PELA EDUCAÇÃO”
Pelo exposto, é possível afirmar que o
TPE se materializa como organismo comprometido com as estratégias de hegemonia
da classe empresarial no campo da educação, lutando para afirmar uma
perspectiva restrita de formação humana para os trabalhadores brasileiros na
atual configuração do capitalismo.
Sua inserção na sociedade civil, embora
definida como “uma aliança” de esforços para o bem da nação, é, na verdade, uma
forma inovadora de se obter consenso em torno de um projeto criado e dirigido
pela classe empresarial. Nesse movimento, a responsabilidade social se afirma
como referência ideológica que assegura a unidade política da “direita para o
social” em seu trabalho de legitimação da sociedade capitalista e de um projeto
restrito de educação para as massas.
Sua penetração nas instâncias do
Executivo e do Legislativo, e a transformação de sua proposição em lei, embora
definida sob o argumento da “parceria”, é, de fato, uma tática empregada nas
relações de hegemonia. O que significa dizer que empresários organizados no TPE
demonstram compreender que a configuração da sociedade brasileira na atualidade
exige ações mais articuladas e requintadas, quando comparadas com as ações do
passado.
O projeto do TPE representa um desafio
ainda maior para se pensar criticamente à educação da classe trabalhadora e os
fundamentos das políticas educacionais no Brasil de hoje, pois as estratégias e
táticas empregadas impedem que amplas parcelas da população compreendam que os
interesses defendidos em nome do “todos pela educação” não se refletem num
projeto de educação única para todos.
As evidências aqui tratadas indicam que
o TPE atua segundo as referências do neoliberalismo da Terceira Via, uma
proposta neoliberal para o sé-culo XXI, preconizando a possibilidade da
existência de um “capitalismo de face humanizada”, justamen-te quando as formas
de exploração se radicalizam chegando a níveis dramáticos para existência humana.
Caso o projeto de educação desse
organismo seja mantido como referência para as próximas dé-cadas, é possível
que a educação escolar para as massas se mantenha em patamares restritos e
ain-da venha a contribuir para a afirmação de uma nova sociabilidade, em que
predomine a estandardização das formas de pensar e de agir. Se isso acontecer, o
processo de assimilação de trabalhadores para a zona de influência da classe
empresarial no século XXI será, certamente, facilitado.
REFERÊNCIAS
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MUNDIAL.
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BRASIL.
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