quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO - PARTE 2



Blog “Educação, Didática, Pedagogia e Andragogia”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://educacaodidaticapedagogiaeandragogia.blogspot.com.br/

Autoria:
André Silva Martins. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.


A EDUCAÇÃO BÁSICA NO SÉCULO XXI: O PROJETO DO ORGANISMO “TODOS PELA EDUCAÇÃO”


RESUMO

Analisa-se, no presente trabalho, o organismo denominado “Todos pela Educação”, sob o prisma das relações de hegemonia e suas propostas para a Educação Básica. De modo especial, examina-se o papel dessa entidade na atual configuração da sociedade civil brasileira, bem como sua inserção no movimento político-empresarial em curso no país na atualidade, procurando indicar o significado de suas proposições para a educação das massas no Brasil. O referencial teórico-metodológico é fundamentado no pensamento gramsciano. O estudo conclui que o fortalecimento político do organismo “Todos Pela Educação” representa um desafio para se pensar criticamente a educação da classe trabalhadora e os fundamentos das políticas educacionais no Brasil de hoje.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, buscamos analisar o organismo denominado “Todos pela Educação” sob o prisma das relações de hegemonia no Brasil contemporâneo. De modo especial, procuramos examinar o papel dessa entidade na atual configuração da sociedade civil brasileira, sua inserção no movimento político-empresarial em curso no país e, por fim, o significado de suas proposições para a educação brasileira.
O trabalho está organizado em três partes. Na primeira, procuramos contextualizar o surgimento dessa organização na realidade brasileira, analisar sua composição política e o significado mais geral de suas ações no Brasil de hoje. Na segunda parte, abordamos o conteúdo e o significado das formulações apresentadas para orientar as políticas educacionais. Na última, apresentamos algumas considerações sobre os possíveis impactos das propostas do organismo “Todos pela Educação” na realidade brasileira, tendo como referência as relações de hegemonia.
O surgimento de uma nova força política na educação. No limiar deste século, os intelectuais e as organizações do capital assumiram um papel ainda mais decisivo no processo de estabelecimento de bases políticas e sociais para legitimar a configuração mais recente do capitalismo em nosso país. O desafio assumido por esses sujeitos políticos foi o de assegurar a posição de classe dominante-dirigente e apresentar possíveis “soluções” para os problemas gerados pelas políticas neoliberais. Para tanto, foi necessário reconstruir o padrão de sociabilidade, o que exigiu a atualização de estratégias pré-existentes e a produção de estratégias de novo tipo.
Essa tendência se manifestou no Brasil mais claramente a partir da segunda metade dos anos 1990 e, de maneira mais intensa, nos primeiros anos do novo século. O eixo central de sua intervenção pode ser explicado pelo conceito de “repolitização da política” (NEVES, 2005). Esse conceito explica o surgimento de fenômenos sociais importantes, tais como: “nova cidadania” e “nova participação social”, expressas na noção de voluntariado; “sociedade civil ativa”, refletida na idéia do deslocamento do conflito à colaboração social; “novo Estado”, que veicula a configuração do modelo gerencial.
Segundo Neves (2005), estamos vivendo em tempos de uma nova pedagogia da hegemonia, inspirada no projeto de atualização da agenda da social-democracia no mundo, denominado de neo-liberalismo da Terceira Via.O projeto, inserido em diferentes formações sociais, sintetiza um conjunto de orientações e diretrizes que, segundo seus formuladores, localiza-se num “meio termo”, algo entre a social-democracia clássica e o neoliberalismo ortodoxo (GIDDENS, 2001a; 2001b).
Os governos e organizações da sociedade civil envolvidas com esse projeto passaram a atuar em: (a) ações destinadas a redefinir o sentido da organização e participação historicamente construídas pelos trabalhadores, com o objetivo de assegurar o retorno ou a permanência de significativas parcelas da classe no plano mais elementar do nível de consciência política coletiva, dificultando, assim, a compreensão crítica das relações sociais capitalistas; (b) ações dirigidas para pacificar e/ou refuncionalizar o maior número possível de organizações dos trabalhadores identificados historicamente com lutas pela ampliação de direitos sociais e motivados por projetos alternativos de sociedade, visando a diminuir as resistências e protestos contra a dinâmica capitalista; e, por fim, (c) ações de estímulo e fortalecimento à proliferação de grupos de interesses motivados por bandeiras e demandas que não conflitam com a lógica central do sistema capitalista, incentivando o pluralismo sem identidade de classe
Compartilhando da tese da existência de uma nova pedagogia da hegemonia, Martins (2007) demonstra que há um intenso movimento das forças do capital em produzir uma nova educação política com o objetivo de difundir referências simbólicas e materiais para consolidar um padrão de sociabilidade afinado com as necessidades do capitalismo contemporâneo. De acordo com o autor, iniciativas que visam a reduzir a sociedade civil à noção de “terceiro setor” ou “sociedade civil ativa”, incentivar as práticas de “voluntariado” e legitimar as empresas como “cidadãs”, ou organismos “socialmente responsáveis”, são exemplos da atuação das forças do capital para produzir a nova sociabilidade. Essas iniciativas acabaram resultando na reeducação da própria classe burguesa, permitindo o surgimento de uma “direita para o social”, ou seja, um amplo agrupamento de empresários que passa a atuar na ampliação dos horizontes de luta política por meio de intervenções sistemáticas nas “questões sociais”.
A valorização da educação escolar nos termos propostos pela “direita para o social”, além de responder aos requisitos da formação técnica mais elementar para o trabalho simples, procura também se converter numa importante referência de formação de valores e comportamentos sociais das futuras gerações de trabalhadores. De modo geral, essa tendência pode ser verificada nas proposições dos organismos internacionais que há décadas vêm orientando a formação do cidadão-trabalhador no Brasil e na América Latina (LEHER, 1999; KRUPPA, 2001; MELLO, 2004).
Sobre esse ponto, duas obras se constituem como referência: Wood (2003), numa perspectiva crítica, e Garisson (2000) numa perspectiva de legitimação da tendência assinalada. Na perspectiva da classe empresarial, os índices dramáticos da escolarização das massas nos países periféricos indicavam a necessidade de alterações na formação humana tanto no aspecto técnico quanto no ético-político, para assegurar a consolidação do capitalismo em sua nova fase. Ampliar o acesso à educação escolar para a preparação de homens e mulheres para o novo século, ainda que sob parâmetros restritos, se configurou como uma exigência a ser enfrentada pelas forças do capital.
Podem ser tomados como referências do esforço para reorientar a educação das massas a Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Cúpula Mundial de Educação, realizada em Dakar, no Senegal, em 2000, eventos coordenados pela UNESCO e pelo Banco Mundial. Cumpre destacar que a lógica restritiva de ampliação do acesso à educação proposta pelos fóruns e organismos internacionais significa apenas a universalização da “educação primária”.
De acordo com Pinto (2002), no caso brasileiro, entre os anos de 1995 e 2002, essas orientações resultaram na ênfase no Ensino Fundamental, na expansão progressiva do Ensino Médio, na valorização da Educação Profissional aligeirada, na restrição dos investimentos no setor educacional e em políticas de incentivo à privatização. Associada a essas orientações foi difundida a idéia de que o sucesso da educação dependeria do envolvimento e do empenho de “todos”, indivíduos e organizações.
Foi nesse contexto de definições que surgiu o organismo Todos pela Educação (TPE) portando propostas e enunciados para reorientar a Educação Básica no Brasil. O TPE foi criado, em 2005, por um grupo de líderes empresariais, verdadeiros intelectuais orgânicos, que se reuniram para refletir sobre a realidade educacional brasileira na atual configuração do capitalismo. O grupo verificou que a baixa qualidade da educação brasileira vinha trazendo sérios problemas para a capacidade competitiva do país, comprometendo também o nível de coesão social dos cidadãos. O grupo concluiu que a “incapacidade” técnica e política dos governos na realização de políticas educacionais ao longo dos anos havia criado sérios problemas para os interesses do capital. Diante dessas constatações, os empresários criaram o TPE com a missão de mudar o quadro educacional do país, principalmente no que se refere à qualidade da educação. O projeto elaborado para impulsionar as ações do organismo foi denominado de “Compromisso Todos pela Educação”.
A realização do congresso “Ações de Responsabilidade Social em Educação: Melhores Práticas na América Latina” pode ser considerada como um importante momento de afirmação do TPE no meio. Estamos nos valendo de uma categoria gramsciana.

A EDUCAÇÃO BÁSICA NO SÉCULO XXI: O PROJETO... EMPRESARIAL

No evento, foi possível apresentar e legitimar politicamente o projeto “Compromisso Todos pela Educação” e fortalecer no meio empresarial a importância de um organismo com capacidade para defender interesses da classe na sociedade civil e intervir na definição de políticas educacionais na aparelhagem de Estado. Os empresários brasileiros saíram do evento com metas, estratégias, cronograma e uma significativa mobilização para iniciar a construção de um pacto nacional em defesa da Educação Básica brasileira.
Uma das intelectuais orgânicas da classe empresarial apresentou, em tom de entusiasmo, em artigo publicado num importante jornal do país, o que pode ser considerado como síntese do evento para o TPE:

Só a educação de qualidade pode formar a base de um novo projeto de país, mais justo e mais desenvolvido. Foi exatamente esse o espírito do encontro na Bahia: ao analisar o triste cenário no Brasil e na América Latina, os 250 participantes do evento chegaram à conclusão de que a educação é, neste momento, a mais importante política pública e que assegurar a sua qualidade, especialmente para os menos favorecidos, constitui o melhor instrumento para reduzir nossas históricas desigualdades sociais. [...] É a crença de que a educação deixará de ser pauta de importância secundária apenas quando todos os setores fizerem a sua parte de forma integrada e sinérgica. Pela primeira vez, um grupo de lideranças, apoiado por organizações da sociedade civil e em sintonia com os governos, decidiu juntar esforços em torno de um grande projeto educacional para o país. Como demonstração de vontade, a maioria dos presentes subscreveu sua participação no movimento “Compromisso Todos Pela Educação” [...].
Na prática, a adesão significa colocar energia e recursos no cumprimento da missão de efetivar o direito à educação de qualidade para que, em 2022, bicentenário da Independência do Brasil, todas as crianças e jovens tenham acesso a um ensino básico que os prepare para os desafios do século 21 (VILLELA, 2006, p. 7).
Com esse horizonte político, os empresários estruturam o TPE de modo a transformá-lo num think tank da área educacional, isto é, num organismo especializado em produzir e difundir conhecimentos e idéias para educação no país. A sustentação financeira foi montada a partir de captação de recursos privados. Os contribuintes são apresentados como “patrocinadores” da organização e encontram-se divididos em três níveis que variam de acordo com o valor do repasse. Ao todo, a organização conta com
O evento foi organizado por três organizações de origem empresarial: Fundação Coleman, Fundação Jacobs (ambas com sede na Suíça) e Instituto Gerdau. Para outros detalhes consultar: http://www.fundacaolemann.org.br/conferencia/port/news/04.asp dez contribuintes, entre eles: Grupo Gerdau, Grupo Suzano, Banco Itaú, Banco Bradesco, Organizações Globo. No conjunto, destacam-se aqueles grupos com atuação predominante no setor financeiro.
A estrutura organizacional da entidade é bem definida em termos técnicos e políticos. É constituída por uma presidência, ocupada por um empresário articulador da organização; um Conselho de Governança, composto por dezesseis empresários ou representantes de empresas; um Comitê Gestor, composto por seis dirigentes, sendo cinco deles empresários; uma Comissão de Comunicação, composta por seis membros, todos ligados a grupos empresariais; uma Comissão de Articulação, integrada por doze membros numa composição mais diversa (empresários, lideranças de movimentos sociais, representante da Igreja Católica, representante da Unesco, representante do Ministério da Educação); uma Comissão Técnica, composta por dezesseis membros, predominantemente por empresários; uma Comissão de Relações Institucionais, ocupada por um empresário; e por fim, uma Equipe Executiva, composta por dez membros (não-empresários), sob a direção de uma Presidência-Executiva a cargo de um intelectual orgânico do capital com trajetória na educação superior.
Analisando o papel dos empresários enquanto intelectuais orgânicos, Gramsci (2000a) observou que:

[...] o empresário representa uma elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capa-cidade dirigente e técnica (isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas também em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da produção econômica (deve ser um organizador de massa de homens, deve ser um organizador da “confiança” dos que in-vestem em sua empresa, dos compradores de sua mercadoria, etc.). Se não todos os empresários, pelo menos uma elite deles deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo complexo organismo de serviço, até o organismo estatal, tendo em vista a necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria

O Grupo Gerdau (ligado ao setor de metalurgia) ocupa a chamada “cota ouro” e se destaca como principal patrocinador da entidade (consultar: http://todospelaeducacao.org,br). Embora na página da TPE não estejam disponíveis os valores das doações, estima-se que os mesmos girem em torno de cifras consideráveis. Essa inferência se baseia no volume de gastos do Grupo em projetos de responsabilidade social, especialmente os identificados como da área da Educação, apurados na análise do Relatório Anual da empresa. O documento referente ao exercício de 2007 revela que foram gastos 72,7 milhões de reais em projetos de “responsabilidade social”.
O relatório revela também que, do total dos gastos, 63,9 milhões de reais foram aplicados em Educação, onde se contabiliza, explicitamente, o financiamento do Grupo à organização Todos pela Educação, ainda que não sejam detalhados os valores. Para maiores detalhes consultar: Grupo Gerdau (2008).
Se no passado o próprio empresariado brasileiro encarregava-se diretamente das formulações de suas entidades, se mais recentemente, com a complexificação da ação política, os empresários dividiram essas ações com “empregados especializados”, como revela Rodrigues (1998) em seu estudo sobre a Confederação Nacional das Indústrias, é possível verificar que no TPE essa tendência se confirma em novas condições, pois os “prepostos” parecem formular ao lado dos empresários, e não só a partir deles, assumindo inclusive funções de direção, num regime de compartilhamento de responsabilidades.
É importante considerar também que o envolvimento de diferentes intelectuais no TPE não se limitou à composição de suas instâncias internas de poder. O organismo vem atuando para assimilar um número cada vez maior de intelectuais orgânicos em torno de seus interesses, procurando, assim, ampliar o alcance de suas iniciativas político-ideológicas.
O evento que lançou o projeto “Compromisso Todos pela Educação”, realizado em setembro de 2006, em São Paulo, foi uma prova dessa tendência. Ao divulgar as bases do projeto, o TPE propôs que fosse selado um compromisso em defesa da educação pública. Assim, empresários de peso da economia brasileira, representantes das três esferas de poder (municipal, estadual e federal), dirigentes do Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME, e representantes de diferentes organizações da sociedade civil passaram a unir esforços em torno de um projeto único para a educação do país. A unidade política passou a ser denominada de “uma ampla aliança intersetorial” em defesa de um projeto de nação (GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS, 2007; TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2007).
A chamada aliança intersetorial não substituiu o trabalho do TPE como um “aparelho privado de hegemonia” (GRAMSCI, 2000b); ao contrário, aumentou sua responsabilidade e peso político. O fato de envolver um grande número de organismos e pessoas não limita sua função de direção e coordenação política de ações para implementar metas, monitorar as ações, avaliar os resultados e, ainda, difundir o preceito da colaboração social para o conjunto da sociedade.
Segundo dados do TPE, em abril de 2008, a organização contava com mais de 300 adesões entre empresas, associações e fundações de diferentes origens. Ver http://www.todospelaedu-cacao.org.br. Acesso em ago. 2008.
A formulação que orienta o TPE na organização da “vontade coletiva” é assim descrita: “sem educação de qualidade para todos, o país jamais será competitivo, jamais oferecerá oportunidades iguais de crescimento para todos os seus cidadãos, jamais terá um desenvolvimento com justiça e com eqüidade”. (VILLELA, 2006, p.3).
Todo esse movimento promovido pelo TPE confirma que setores importantes da classe empresarial no país alcançaram um nível mais elevado de consciência política, o nível ético-político, neste início de século. Com o referencial gramsciano de análise, é possível verificar também que os esforços coordenados pela entidade se constituíram numa articulada estratégia de hegemonia no campo educacional, abrangendo, pelo menos, duas linhas centrais: (1) orientar uma percepção social de que a sociedade civil se transformou numa instância harmoniosa em que os antagonismos perdem a relevância, pois o mais importante seria o predomínio da “coesão cívica”, da “nova cidadania” e da “colaboração” social; (2) legitimar uma determinada leitura da realidade educacional e também uma determinada perspectiva para a Educação Básica.

SOBRE AS PROPOSIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

De fato, a atuação empresarial na educação não se constitui num dado novo. Ao longo de nossa história, a classe se empenhou para demarcar o seu campo político e traduzir nas leis e em espaços educativos específicos seus interesses e objetivos na educação (NEVES, 1994, 2000; RODRIGUES, 1998). Mas, deve-se considerar que a criação de um organismo específico para propor e articular ações em defesa da escola pública e de qualidade para todos é um elemento novo em nossa história. O protagonismo empresarial na definição dos rumos da educação no país e o discurso de que tal iniciativa refere-se a um projeto de nação em nome do bem-comum exigem reflexões.
Nessa linha, o primeiro aspecto que precisa ser analisado refere-se à formulação geral da entidade, ao destacar a importância da educação para o cidadão e para o país no mundo de hoje. A formulação é assim expressa: “o Brasil só será verdadeira-mente independente quando todos seus cidadãos tiverem uma Educação de qualidade” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2008, s.p. grifos nossos). Mas qual o significado desse slogan?
A noção de “independência” nos remete ao conceito de soberania (BOBBIO; MATTEUCCI; PAS-7. Sobre níveis de consciência política coletiva, ver Gramsci (2000b), QUINO (2004) e a temas como a subordinação do país na nova divisão internacional do trabalho (TA-VARES, 1998), a adaptação e integração também subordinada dos países ao movimento de mundia-lização das finanças (CHESNAIS, 2005), a posição dos países diante da nova fase do imperialismo (FONTES, 2006).
Num primeiro momento, a noção de “independência” sugere que os empresários seriam portadores de um projeto de refundação do capitalismo no país sob o princípio da autonomia, ou seja, de não-subordinação internacional. Entretanto, o que se ob-serva na atualidade, a partir de estudos (BIANCHI, 2001; DINIZ, 2000, 2002) e de documentos (FIESP, 1990; KPMG, 2000), é que tal perspectiva não se apresenta como opção dos empresários brasileiros.
O entendimento que ainda predomina nessa classe é a manutenção da tendência histórica, assinalada por Fernandes (1981), de busca pela inserção dependente na ordem internacional, em nome do lucro a qualquer custo. Por esse ângulo de análise, a noção de “in-dependência” apresentada atinge um patamar tão elevado de abstração que perde vínculos com o movimento do real, ficando sem qualquer capacidade explicativa, tornando-se um enunciado vazio de conteúdo. Mas é necessário considerar que o esvaziamento conceitual não implica necessariamente a diminuição do potencial político de agregação de pessoas e forças sociais em torno do projeto de educação para o país.
O segundo ponto de destaque relaciona-se a um princípio político que se desdobra numa estratégia de ação. No entendimento do TPE, a melhoria da qualidade da educação brasileira só poderá ser alcançada mediante uma ampla mobilização de forças composta por “atores” da sociedade civil e por órgãos da sociedade política. As noções de co-responsabilidade e de parceria constituem-se como referências centrais da proposição. O posicionamento é assim apresentado: “O ponto central da nossa estratégia é a co-responsabilidade pelo todo, que se traduz na atuação convergente, complementar e sinérgica entre as políticas públicas, a iniciativa privada e as organizações sociais” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2008, s.p.). De modo mais amplo, o conteúdo dessas noções está ligado ao entendimento de que a relação entre sociedade civil e sociedade política deve ser modificada a partir de novos princípios, como propõe o projeto neoliberal da Terceira Via.
Sobre essa temática, Bresser-Pereira (1999) defende que a sociedade civil precisa ser democratizada para permitir a realização de uma profunda reforma do aparelho de Estado, visando ao avanço, modernização e crescimento do país. Para o autor, o fenômeno da democratização tem permitido à sociedade civil assumir um papel mais ativo, de modo que tal tendência deveria orientar os processos atuais de reforma do aparelho de Estado. Em sua formulação, institutos e/ou fundações passariam a prestar serviços públicos, sem almejar lucro, criando, assim, os chamados “espaços públicos não estatais”, dando uma nova configuração à sociedade civil e um novo sentido à relação dessa instância com o aparelho de Estado em favor do desenvolvimento do país. Partindo de outro referencial, Neves (2005) afirma que a mudança da relação entre sociedade civil e aparelho de Estado seria uma expressão do movimento de “repolitização da política”, cuja meta central seria substituir os conflitos e os antagonismos pela noção de colaboração e coesão cívica ou social.
A perspectiva crítica de análise sobre sociedade civil e aparelho de Estado, acima referenciada, oferece elementos para afirmar que a proposição de “parceria” (ou co-responsabilidade) defendida pelo TPE reforça as estratégias de dominação presentes no Brasil de hoje, justamente por explicitar que em nome da educação é necessário um novo “pacto social” e a renúncia a projetos alternativos de educação em favor das proposições empresariais.
O terceiro ponto da análise envolve as “metas” propostas pelo TPE para a educação pública brasileira, que estão assim descritas:

Meta 1 – Acesso: Até 2022, 98% ou mais das crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar matriculados e freqüentando a escola.

Meta 2 – Alfabetização: Até 2010, 80% ou mais, e até 2022, 100% das crianças deverão apresentar as habilidades básicas de leitura e escrita até o final da 2ª série (ou 3º ano) do Ensino Fundamental.

Meta 3 – Qualidade: Até 2022, 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é essencial para a sua série”. Ficou definido, então, que 70% dos alunos da 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio do conjunto de alunos das redes pública e privada deverão ter desempenhos superiores a respectivamente 200, 275 e 300 pontos na escala de Português do SAEB, e superiores a 225, 300 e 350 pontos na escala de Matemática.

Meta 4 – Conclusão: Até 2022, 95% ou mais dos jovens brasileiros de 16 anos deverão ter completado o Ensino Fundamental e 90% ou mais dos jovens brasileiros de 19 anos deverão ter completado o Ensino Médio.

Meta 5 – Investimento: Até 2010, mantendo até 2022, o investimento público em Educação Básica deverá ser de 5% ou mais do PIB. (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2007, p. 4).

Nesse mesmo documento o TPE avalia que o Brasil, apesar dos esforços recentes, não apresenta eficiência no que se refere às políticas para educação por dois motivos principais: incapacidade de definir mecanismos de acompanhamento e de avaliação; imprecisão no estabelecimento de objetivos quantitativos parciais e finais de seus projetos.
Em síntese, para o TPE, as boas intenções políticas seriam prejudicadas pela incapacidade técnico-operacional dos governos e pela falta de instrumentos democráticos de controle social. Para uma exata dimensão da proposta do TPE basta recorrer às formulações sobre educação que estiveram em disputa recentemente na realidade brasileira. O Plano Nacional de Educação — proposta da sociedade brasileira, aprovado, em 1997, no II Congresso Nacional de Educação (CONED), e posteriormente encaminhado como projeto de lei na Câmara Federal pelo Deputado Ivan Valente, previa que os investimentos em educação deveriam ser da ordem de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), num prazo de dez anos, e que, posteriormente a esse período, os investimentos deveriam ser mantidos em 6% para permitir a manutenção do sistema.
Do outro lado do campo de batalhas, o bloco majoritário na legislatura de 1999-2002 aprovou a Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional da Educação. A lei previa que os investimentos em educação deveriam alcançar num prazo de dez anos o índice de 7% do PIB, crescendo 0,5% nos quatro primeiros anos e 0,6% no quinto ano, algo que não chegou a ocorrer em função dos vetos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e da manutenção dos mesmos no governo Lula da Silva, tornando a lei aprovada inócua.
Os investimentos defendidos pelo TPE, em termos percentuais, são inferiores aos citados acima. Para esse organismo, o Brasil deve alcançar o patamar de 5% do PIB até 2021. A linha adotada assemelha-se às interpretações do Banco Mundial nos anos de 1990, quando afirmava que os recursos para educação eram suficientes, o problema relacionava-se à falta de eficiência.
Para auxiliar o dimensionamento dos índices de investimentos em educação e o significado da proposição do TPE é importante resgatar a proposta de Saviani (2002). O autor defendeu que para que o Brasil atingisse um patamar de investimentos em educação semelhante ao dos países centrais seriam necessários aumentos significativos de investimentos. Para ele, isso significaria apostar numa imediata duplicação do PIB investido em educação, permitindo um salto imediato de 4% para 8%. Isso permitiria, em sua avaliação, criar as condições iniciais para a superação do déficit histórico educacional brasileiro com repercussões positivas em todos os níveis da educação.
Quanto às possibilidades reais de efetivação da proposta, o autor argumenta que muitos países realizaram, e ainda realizam, investimentos nesse patamar. Esses dados nos ajudam a compreender que 5% do PIB em educação, como proposto pelo TPE, são insuficientes para realizar mudanças substantivas no país, ficando abaixo das proposições acima retratadas. Talvez o baixo nível de investimentos ajude a explicar o silêncio da entidade sobre outros temas importantes para se pensar a educação para o século XXI, tais como: valorização do magistério, democratização da gestão educacional e criação de um Sistema Nacional de Educação.
Tudo indica que a expectativa dos empresários gire em torno da construção de novas subjetividades identificadas com o capital, no plano valorativo, e da elevação mínima do patamar de racionalidade da força de trabalho, no plano técnico-científico, viabilizando, mais facilmente, a difusão dos parâmetros da nova sociabilidade e a legitimação dos empresários como classe dirigente e dominante.

O SIGNIFICADO POLÍTICO DO “TODOS PELA EDUCAÇÃO”

Pelo exposto, é possível afirmar que o TPE se materializa como organismo comprometido com as estratégias de hegemonia da classe empresarial no campo da educação, lutando para afirmar uma perspectiva restrita de formação humana para os trabalhadores brasileiros na atual configuração do capitalismo.
Sua inserção na sociedade civil, embora definida como “uma aliança” de esforços para o bem da nação, é, na verdade, uma forma inovadora de se obter consenso em torno de um projeto criado e dirigido pela classe empresarial. Nesse movimento, a responsabilidade social se afirma como referência ideológica que assegura a unidade política da “direita para o social” em seu trabalho de legitimação da sociedade capitalista e de um projeto restrito de educação para as massas.
Sua penetração nas instâncias do Executivo e do Legislativo, e a transformação de sua proposição em lei, embora definida sob o argumento da “parceria”, é, de fato, uma tática empregada nas relações de hegemonia. O que significa dizer que empresários organizados no TPE demonstram compreender que a configuração da sociedade brasileira na atualidade exige ações mais articuladas e requintadas, quando comparadas com as ações do passado.
O projeto do TPE representa um desafio ainda maior para se pensar criticamente à educação da classe trabalhadora e os fundamentos das políticas educacionais no Brasil de hoje, pois as estratégias e táticas empregadas impedem que amplas parcelas da população compreendam que os interesses defendidos em nome do “todos pela educação” não se refletem num projeto de educação única para todos.
As evidências aqui tratadas indicam que o TPE atua segundo as referências do neoliberalismo da Terceira Via, uma proposta neoliberal para o sé-culo XXI, preconizando a possibilidade da existência de um “capitalismo de face humanizada”, justamen-te quando as formas de exploração se radicalizam chegando a níveis dramáticos para existência humana.
Caso o projeto de educação desse organismo seja mantido como referência para as próximas dé-cadas, é possível que a educação escolar para as massas se mantenha em patamares restritos e ain-da venha a contribuir para a afirmação de uma nova sociabilidade, em que predomine a estandardização das formas de pensar e de agir. Se isso acontecer, o processo de assimilação de trabalhadores para a zona de influência da classe empresarial no século XXI será, certamente, facilitado.

REFERÊNCIAS

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